quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sobre alguém que não veio

Não é fácil lidar com olhos negros. Com olhar de menina, com sorriso de menina, num corpo como o teu, mulher assim. Com uma voz doce, que chama, que não se nega, que não se ilude, que não se basta. Com uma mente como a sua, que quer o mundo, que quer um tudo, que quer a todos. Não é fácil aguentar noites sem sono, palavras sem culpa, silêncios apavorantes gritando ao pé do ouvido, saltando aos olhos. Mas aí está você.

Aí estão as palavras, os sorrisos e as surpresas. Aí está a sinceridade, a grande sinceridade. Aí estão mil motivos pra desconfiar de tudo, mas a desconfiança não está aí. É um eterno aprendizado: tudo na vida tem metade das chances de dar certo, quer pagar pra ver? A resposta é sim. Mesmo quando é não, é sim. Olhos negros são difíceis de lidar. Surpresas também são.

No meio de tudo, estava você. Em meio às luzes acesas, estavam as palavras, as simples palavras que recriariam sorrisos no rosto da menina que jamais admitira um sim na sua vida. Não para olhos negros. Não para sorrisos secos. Não para tanta confiança, que só a fazia desconfiar. Porque, poder ver o mundo em tanta luz não podia fazer bem àquela menina. Tanta luz ofuscava a visão da pessoa que estava do outro lado. E ela só via sons e sorrisos, palavras descuidadas, formuladas passo a passo para um divertimento estranho em que só uma das partes ria por vez. A outra ficaria séria.

É uma brincadeira estranha entre estranhos. Afinal, ninguém é capaz de conhecer alguém, e ela, a mocinha, não sabia o que se passava ali dentro. Só sabia da luz que vinha. Só gostava do monte de sensações que formavam aquilo tudo. Só queria aquilo que as cores representavam, as expressões mostravam, que podia entender. O indescritível não era confiável, e ela nunca soube se valia a pena pagar pra ver.

Mas aquilo tudo era estranho: lugar estranho com pessoas estranhas criando um espaço esquisito dentro da menina. Espaço só que devia ser só dela. Com suas cores, do seu jeito. Mas que, de repente, deu lugar a outros mundos. Que, em cores, tamanhos e formatos diferentes (ou iguais), juntas em seus respectivos grupos, dão lugar a toda aquela representação. Que agora tinha morada. Aquilo não existia só na cabeça dela: nada que não exista tem um lugar pra morar. E ponto final.

Mas começou na cabeça dela, quando eram só olhares desconhecidos criados pela primeira vez. E foi-se modelando uma representação, que unia características de um ser único. Criado por ela, formado para o mundo. Programado pra ir embora (em cinco, quatro, três...) da vida dela por algum tempo. E ninguém sabe se vai voltar. Ninguém sabe se aquilo que ela mais odeia vai dar as caras, se aquilo que ela admira vai dar as caras, se aquilo que ela gosta naquela criatura vai dar as caras de novo. Ela só sabe que vai viver nela durante algum tempo, ainda que morto, ainda que longe, ainda que contra a vontade dele. Porque ele vai levar um pedaço dela consigo, um pedaço que cresce e cresce, sempre e sempre. Um pedaço daquela amizade que ia crescer junto com o tempo que gastava escrevendo pra uma simples representação.

Não importava tanto se voltaria e nem quem era ou o que faria. Se aquilo era mentira ou verdade, se no fim das contas aquilo tudo era propositalmente errado para originar uma mentira qualquer. O que se cria é verdade, e, naquele espaço, a verdade é aquela que se mostra antes. E aquela era a mentira da vez, criando sensações que ela não conhecia, que ela conhecia, que não importavam. Porque não lhe importava o que os olhos negros achavam, tudo era sobre a menina e sobre a sensação que aquilo tudo lhe trazia. Era tudo sobre uma sensação de proteção e de preocupação qualquer, sobre frases soltas e estranhas que eram direcionadas apenas pra ela, sobre como aquilo lhe fazia bem. Era tudo sobre as palavras. Ou era tudo sobre as ações. Ou sobre o significado delas. Nada daquilo importava, não faria falta. Havia controvérsias. Tudo na vida tem metade das chances de estar errado. Admitia.

Mas nada que viria dali poderia ser tão nocivo. Não sairia do lugar, e sempre pode ser uma invenção. Sempre pode não ser nada, sempre pode ser irreal. Importa?! Não. Ainda não podia fazê-la tão mal se lhe fazia tão bem. Certo? Não sabia, mas pagava pra ver enquanto valesse a pena.

Era muita audácia daquela pequena. Era loucura subir num salto pra brigar. E falar e falar, descontroladamente. E ouvir calada coisas assim tão estranhas, mas que não acreditava. Era loucura lutar contra aquilo, se fosse coisa da sua cabeça. Era muita audácia duvidar daquilo, se aquilo fosse real. Definitivamente, estava disposta a não cair em abismos. Nem a deixar que ninguém jogue a sua representação ali. Estava disposta a dormir e acordar, até o dia de alguém lembrá-la que o mundo novo era só um mundo paralelo. E que ERA coisa da sua cabeça. Que não existiam brigas e nem proteção naquele espaço. Nem o sorriso. Nem uma verdade. Nenhumazinha. Era só a cabeça dela criando um mundo que a protegesse do medo que ela sentia de acordar com as baratas e com as traças, de lembrar os dias ruins... Era só a cabeça dela tentando poupá-la de guardar só pra si alguma coisa boa. Era só a cabeça dela, pregando-lhe uma peça: não existiam pessoas que fizessem aquele monte de coisas simples por ninguém. Naquele interior, na sua cabeça, existiam pseudocarinho, pseudoproteção, existia um monte de coisas ruins, que lhe traziam coisas boas. Porque, no fim, existiam letras que voltavam. Não sabia até quando, mas, aquela criatura da cabeça da menina, lhe fazia bem até quando valesse a pena pagar pra ver.


Sweetie?

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