domingo, 30 de dezembro de 2012

Sobre Algo Novo


            Sempre que me falam de algo novo, eu ouço algo sobre fazer, falar ou ser algo que você nunca foi. Mas acho que isso não é possível. Existe algo na gente que nos integra ao mundo. Algo que é como o nosso lugar no universo, a nossa energia pairando por aí, tocando a natureza e as pessoas. E isso é algo só nosso, mesmo que ninguém entenda. É o nosso mundo, incompreendido, incompreensível. Com nossas cores (ou não-cores), nossos sons (ou nosso silêncio). Nosso coração pulsando, às vezes firme, às vezes fraco, mas mantendo o nosso mundo girando, nossa energia circulando pelo mundo, nosso lugar fluindo, cruzando com outras vidas, preenchendo nosso mundo com sentimentos, porque não existe indiferença nesse nosso mundo com outras pessoas (“portanto, se você é um psicopata, pare de ler isso agora”, já dizia o sábio da barba curta e cabelo comprido, Bruno), talvez apenas a não percepção, porque nem sempre estamos dispostos a olhar. Ser novo não significa ser outra coisa que você viu em alguém ou em algum lugar e você acha que vai deixar a sua vida mais fácil. Embora qualquer um possa ser o que quiser, é algo que já é nosso, que sempre foi, que é meu ou seu, eu ou você.
            Mesmo que façamos algo que nunca fizemos, aquilo não é algo que cresce ou nasce, não é como comprar um sapato novo ou uma roupa nova. Não dá pra transplantar outra forma de sentir as coisas, apenas fazer diferente. Ser diferente. Re-sentir, resignificar. Quando eu ouço alguém em dizer “seja alguém completamente novo no ano novo”, ou “ano novo significa vida nova”, eu apenas não acredito. Embora nós possamos trabalhar pra sermos ou termos algo que nos faz sermos ou nos sentirmos melhor, que vá fazer bem pra quem a gente quer bem, aquilo é apenas uma parte de você que você não conhecia. Uma parte selvagem do seu mundo, aquela que você não sabia que existia. É algo que surpreende e nos faz acreditar que mudamos, que somos algo que não éramos, mas, lá no fundo, a gente sabe que é apenas algo que você nunca havia reparado em si mesmo, que você é muita coisa e pode ser qualquer coisa, conquistar seu lugar no mundo, ter seu espaço no mundo dos outros, ser conquistado por alguém que você achou que conhecesse, mas tem seu lado selvagem. Quando alguém diz que você não tem nada de novo, mesmo que você tenha feito o impossível pra ser diferente, você nota que suas possibilidades são inesgotáveis, mas pode existir alguém querido que sabe melhor sobre o seu mundo selvagem do que você mesmo. Realmente sinto muito por ser aquela a te dizer isso, mas você não vai ser outra pessoa nesse novo ano, você não vai ser melhor ou pior. Mas você pode ser diferente, ser feliz de modos que você ainda não pensou, fazer coisas que você ainda não fez, falar coisas que você ainda não falou. Ser agora o que você quer ser aos 60 anos (prestem atenção nisso, quando chegarem aos sessenta não digam que eu não avisei). Isso faz de você diferente. Seus sonhos fazem de você diferente. Desbravar o seu mundo é o que faz de você alguém novo, especial, com sorte, com sucesso, com amor, com o brilho novo no olhar ou todas aquelas coisas que a gente deseja pro nosso querido quando o ano muda.
            Então, na contagem regressiva, quando todos estiverem se abraçando (pela primeira e única vez no ano), deseje apenas ser você, redescobrir-se, desbravar-se, fazer girar o seu próprio mundo. Continue sendo o que lhe satisfaz, mas crie novas perspectivas. Exercite o que há de desconhecido em você, não deseje algo que não é seu, não gaste tanta energia sendo alguém que você não é. Seja o mesmo de sempre. Tenha defeitos, tenha virtudes, mas sejam defeitos e virtudes que você não conhecia. Conheça seu lado negro e seu lado Jedi. Concentre toda a sua energia e domine-a, canalize-a para o que te satisfaz, mesmo que ninguém entenda.
            Nesse ano que vai começar daqui a pouco, eu lhes desejo que sejam os velhos novos incompreendidos, que voltem pro velho PP, pra nova Sweetie, pro novo Bruno, pra nós que, ninguém entende, mas um dia, em breve, conquistaremos o mundo. Você vem conosco? Então vamos. Mesmo que ninguém entenda, continuemos sendo os velhos bobos, sérios demais, brincalhões demais, infantis demais ou com alma de velho. Mas que tenhamos um brilho novo, de quem domina algo que desconhecia. Que possamos olhar uns pros outros e ver neles (e em nós) algo de fascinante que nunca havíamos notado. Que não precisemos ser alguém diferente pra sermos bons, apenas que sejamos revistos.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Disfarce Imaginário

Só em dias de lua
Embebida em coragem,
Eu poderei esticar os braços
E te puxar
Pro meu tolo mundo.
Ainda assim, me afogaria
Em medos infantis
Em meio ao meu mundo imaginário
De tolices pueris
Que se prende
Ao meu frágil disfarce adulto
De espantalho infeliz.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Almas Que Não Serão Salvas

Que acabe por minhas mãos tudo que eu quero que tenha fim
Sentimentos e palavras, almas que não serão salvas
Flores que morrem antes mesmo de florescerem no jardim

Que o céu se desmembre e as estrelas exterminem
Cada voz que está calada, certa ou errada
E cada um dos medos que nos definem

Não sobrará nada além do desespero latente
Mas nós saberemos, e sobreviveremos
A qualquer pecado que nos tente

Sobrará muito pouco além de nós mesmos
E nem isso talvez, afinal tudo se desfez
Enquanto escolhíamos o que seremos

sábado, 17 de novembro de 2012

Seguindo para Trás


Querem dissecar meu coração;
Atravessar as fronteiras do meu cérebro;
Querem uma legião de analistas
Que preveja um futuro.
O nosso futuro.

Mas o futuro é sempre o passado
Sempre os mesmo erros, as mesmas mentiras,
As mesmas piadas, com risadas enlatadas.

Querem meu sangue
Em garrafas com rolha;
Querem meu cérebro
Em bandejas de prata;
Querem a mim, exatamente igual,

Pra criar um futuro, que é igual ao passado;
Com os mesmos acertos, as mesmas escolhas:
Sempre sentada na esquina, olhando para o futuro.

Façam suas preces, joguem seus dados
Na roleta viciada da sua própria vida.
Sempre as mesmas coisas, debaixo do mesmo teto,
Olhando para o horizonte,
De olho em algo que não se sabe,

Mas que é igual ao que já se foi,
Enquanto passa os dias
Procurando o futuro no passado.

Da mesma forma que sempre foi
Azeda, amarga, agradecendo ao ídolo dos anos 80
Por ter gosto na vida.
Por andar pela lama,
Lambendo o chão.

Como no futuro,
Prevendo o passado
Em bolas de cristal.

De pernas cruzadas, com olhos de raios-X
Planejando algo novo,
Mas não tão original;
Analisando o que já foi
Pra reproduzir um futuro

Igual ao passado
Com as mesmas preces, as mesmas expressões
Em rostos cada vez mais jovens.

Sempre com as mesmas fórmulas,
Pagando o mesmo preço,
Rastejando no mesmo lodo,
Pra ter o que reclamar
Nos oráculos empoeirados

De um futuro
Que é igual
Ao que já foi.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Súcuba

Se tu não fosses uma súcuba a invadir meus sonhos
Talvez eu me arriscasse a chamar-te de divina
Mas não há divindade que fomente tamanha sede
E apenas devorar-te não aplacaria fome tão repentina

Se tuas presas fossem mais bem escondidas por trás da inocência
Eu talvez acreditasse quando me dizes que não és nada feroz
E mesmo que meu sangue te escorresse pelo canto dos lábios
Por mais cruel que fosses, eu não te veria como meu algoz
E mesmo que me fosse negada a respiração
Seria uma doce negação se partida da tua voz

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Santidade do Pecado

Meu corpo vaga, mas é como se ele ainda estivesse inerte
E evita fazer qualquer som, para que minha mente não desperte
Minhas mãos continuam intocadas pela santidade do pecado
E a inocência ainda me mente que não há nada de errado

A salvação da mente que se perde
É o sentimento que o coração não controla

O olhar é vago e as promessas vãs ainda tem seu muito do gosto
E seu dna permanece nas cicatrizes que permeiam meu rosto
Há um espinho em cada mão, mas o sangue não sai pela ferida
Ele vaza pelo olhar, por causa da promessa nunca cumprida

O ressentimento já foi amargo, mas agora não passa de insípido
E hoje resta como apenas uma lembrança de um sentimento ríspido
Agora resta apenas a dívida que nunca poderá ser cobrada
A eternidade que é mentira para manter a voz enjaulada

O sentimento incontrolável virou a salvação
Para o fragmento que se perde da mente
Aquela qualquer coisa que mantem a pulsação
Um pequeno pedaço de qualquer revelação
Para sustentar a sanidade decadente

Há algo que se perde cada vez que você mente
Um pouco do seu verdadeiro eu que desaparece
Em nome daquilo que você não sente
As brasas da fé que um dia já foi ardente
Se apagam e você aos poucos as esquece

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A Existência da Finitude

A lembrança é tudo que resta de uma emoção que não se sente mais
A boca pode tentar se convencer, mas o olhar sempre a trai
Uma vez que se está nesse caminho, não há mais volta

É um crime que se comete sem se ter nenhuma vontade ou intenção
A mentira que é contada aos sentidos sai da boca da razão
Quando há dúvida se a alma está viva ou morta

O desespero de querer que tudo continue da forma que está
Toma conta quando você está aqui, mas deseja estar lá
Longe daquilo tudo que já deixou de existir

O silêncio parece ser a resposta para a pergunta inevitável
Mas não há nada de errado, já que nada é imutável
Só resta deixar a vida continuar a fluir

Há poucas nuvens, mas o sol não quer aparecer
De mãos dadas com o vazio e encarando a solitude
A voz calada quer arranjar uma desculpa para si mesma
Mas só pode encarar a existência da finitude

As lembranças persistem em fingir saudade
Mesmo quando se sabe que não há mais sentimento
A percepção do que foi bom apenas quando acaba
Pode ser desculpa o suficiente para o sofrimento

O inverno parece ter ganhado outro sentido
E o frio lhe atinge de uma forma diferente
Você não precisa mais de uma desculpa para se aquecer
E sequer sabe se você o ignora ou o sente

As canções tomam outra forma, antes impensável
E as poesias tem vida própria ao se adormecer
Você não faz ideia do que, mas sente falta
Um dia a insanidade ainda vai lhe convencer

domingo, 14 de outubro de 2012

Sacrifícios

Onde foram parar todos aqueles sonhos em sua voz?
Quando você transformou em "eu" os tantos "nós"?
O que aconteceu com tudo aquilo que ficou pra trás?

O que foi tudo isso que você sacrificou?
E o sonho de poder dizer que uma vez ao menos já amou?
Você se conformou e ainda chama isso de paz

Valeu mesmo a pena fechar os olhos e apenas acreditar?
Se aquilo que você era lhe visse hoje, iria se aceitar?
Dizendo que acabou, que você apenas não é mais...

É menos trabalhoso aceitar o mundo como ele é
Às vezes até deixar de lado o que você quer
Mudar o mundo é impossível, mesmo se pondo de pé
Você sozinho é apenas um homem ou uma mulher

Queimando as esperanças e aceitando a desistência
Alguma hora você queima junto o que era sua essência
Ainda havia tanto por baixo dessas aparências
Mas agora tudo não passa de reminiscências

domingo, 7 de outubro de 2012

Palavras Em Silêncio

Ouço de vozes que eu não lembro
Histórias que eu não conheço
Tanto que foi em tão pouco tempo
Há menos de 10 minutos e eu já esqueço

As palavras aos poucos se desdobram
E revelam aquilo que se sente
Mas as vozes ainda me cobram
Pelo que a minha palavra mente

Quantas vezes você fala apenas para poder ouvir?
Apenas através das palavras você pode realmente se despir
E tentar se entender ao menos um pouco

Quantas vezes você grita apenas para tentar sentir?
Se ainda há vida, o ar em seus pulmões pode sair
Eu gritei tanto que já fiquei rouco


Mas a voz de um grito não parece a sua
O desespero parece mudar o seu tom
E a rouquidão de uma alma nua
Tem um gosto singularmente bom

Um gosto que o silêncio não conhece
E acho que por isso o silêncio me encanta
Ele mascara o desespero de uma prece
E acaba por culpar alguma ira santa

E se tudo que você consegue ouvir é sua respiração pesada?
A insônia denunciada pelas pálpebras marcadas
Elas falam mais sobre você do que se imagina

A constância do silêncio é o que me enlouquece
É por causa dele que minha alma nunca adormece
É a minha sanidade que ele assassina

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Crescimento

Em alguma hora você se dá conta
Que tudo que você conhece é apenas uma ilusão
Aquele momento em que a luz se apaga
E você tenta pegar a estrela na palma da sua mão

A distância que antes era tão curta
Se mostra mais longa e cruel do que deveria ser
E quando a primeira lágrima é derrubada
Você sabe que algo acabou de morrer

A doçura que o mundo um dia prometeu
E todos os sonhos que iriam ser realizados
A imortalidade que os amores tinham
Aos poucos lhe cobram que deixe isso tudo de lado

Sufocam o que você tinha por dentro
Até que sua criança perca a consciência
E ainda chamam isso de maturidade
Só por não entenderem a vida em sua essência

Eles tentam afogar em amargura
A única coisa que lhe torna um ser singular
Aquele sorriso sem motivo aparente
Combinado com aquele brilho bobo do olhar

Não permita que afoguem sua beleza
Nesse mar de doença que parece não ter fim
Mas não espere que a tolice o salve de si mesmo
Até mesmo a inocência em excesso lhe será ruim

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Momento de Pavor

Eu sou aquilo que você sente
Quando abre os olhos no escuro
Apenas aquele momento de pavor
É tudo que eu duro

Eu sou os lábios que você beija
Quando está de olhos fechados
A oração que você fará
Quando estiver tudo acabado

Pegue o sonho com as duas mãos
E o desmantele em minha frente
Reze para meus ouvidos
E ouça minha boca que mente

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pintura Cinza

O santo e o pecador convivem lado a lado em seu peito
Lhe dizendo diariamente o que deve ou não ser feito
Não há certo ou errado, apenas o seu jeito

Não há preto e branco, o cinza colore a sua pintura
Bem e mal são dois os lados da moeda da loucura
A realidade é o que mancha a sua alma tão pura

Coloque seus pés no chão e entenda de uma vez
A vida não é um sim ou não, ela se chama "Talvez"
Você é o único que sabe o que a sua mão fez

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Saber:

Às vezes, um olhar é somente um olhar;
Um sorriso é apenas um sorriso;
E um gesto não é mais do que um gesto.
Mas, às vezes, é um jeito do corpo dizer "eu te quero"
Em qualquer idioma.

Então me ouve,
Me lê.
Me entende.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mesmo Orando

Eu tenho que admitir
Eu não sei mais o que esperar
Agora fecho os meus olhos
E só o que me resta é rezar
Eu não sei mais o que tenho
Ou mesmo se tenho algo
Não sei mais a diferença
Do que eu recebo ou do que eu pago

E mesmo orando
Não sei se alguém ouve minha reza
Nem se pretende atendê-la
Ou se mesmo me despreza

E mesmo orando
Eu sei que não sou digno da benção
Rezo por perdões
E atenções que os céus não me dispensam

Faz tempo que não tenho esperança
E não tenho como negar a fraqueza
Cada vez que o mundo acaba e você corre pra mim
Desmorona a minha fortaleza...


Sou obrigado a admitir
Não sei mais se devo esperar
Se não resta mais nada
Sua fé é a única coisa a se agarrar
Se não sobrou nem orgulho
Conforme-se com a oração
É tudo que você tem
Feche os olhos, junte as mãos

E mesmo orando
Não sei se alguém ouve minha reza
Nem se pretende atendê-la
Ou se mesmo me despreza

E mesmo orando
Eu sei que não sou digno da benção
Rezo por perdões
E atenções que os céus não me dispensam

Faz tempo que não tenho orgulho
E não tenho como negar a desesperança
Cada vez que o mundo acaba e você corre pra mim
É a morte de uma lembrança

domingo, 9 de setembro de 2012

Muito Tarde

Eu já me perdi tantas vezes
Que nem sei mais para onde quero ir
Não me restam muitam escolhas
Nem muitas razões para sorrir

Sinto-me levemente culpado
Por não sentir o que eu digo
Não chega a ser mentira
Mas não é justo com você, nem comigo

Nossos desencontros são as respostas
Mesmo que nós não duvidemos de mais nada
Já sabemos tudo o que precisamos saber
E continuamos, mesmo com as horas contadas

Entendemos o que deveria ser feito
Mas não o fazemos, e acho que é por medo
Sabemos que nossa hora já passou há muito
Mas agimos como se ainda fosse muito cedo

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Combustão

A sombra na parede não pertence a ninguém
Mas está escuro, você não a vê
Você não emite sombra também
Mas sem luz não há o que temer

Se você quiser, pode abrir seus olhos agora
A luz só será real para quem acredita
Me explique o porquê de tanta demora
Para recitar os versos que você nunca cita

Mãos atadas e peito aberto
Sua carne está crua e o fogo é discreto
O combustível será sua alma
E a resposta para o enigma está em sua palma


Creia nisso e talvez você finalmente se encontre
Desate o nó que você mesmo fez
As incertezas foram esquecidas ontem
E seus medos juntos já não somam mais de três

Mãos atadas e olhos abertos
Feche seu peito, seja mais discreto
Deixe sua alma entrar em combustão
E aceite que você tem tudo em suas mãos

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Eu Acho Que Não

E se a minha voz fosse mais macia
Você acha que me amaria?
Se minhas palavras fossem mais vazias
Você me entenderia?

Se eu fosse mais cego
E massagease mais o seu ego
E não cometesse nenhum engano

Se eu fingisse ser surdo
Quando você reclama que eu não mudo
Você me diria "eu te amo"?

Se eu lhe mentisse, dizendo que sou perfeito
Você abriria seu peito?
Se eu começasse a apontar todos os seus defeitos
Você daria um jeito?

Se eu ignorasse sua voz
Quando você fala sobre nós
E te desse uma mentira de bom dia

Se eu fingisse não me importar
Sempre que você espera eu me afogar
Você me abraçaria?

Não sei se o que já houve ainda existe
Ou mesmo se um dia houve de verdade
Nos abraçamos e choramos, mas não pedimos desculpas
Nem pelo que somos, nem pelo que deveríamos ser
Eu apenas acho que não somos...

domingo, 26 de agosto de 2012

Distração

Eu condeno o sol, eu condeno a lua
Por minhas noites em claro, que são culpa tua
De tudo que eu fujo, de tudo que eu renego
O que mais me causa medo é pelo que eu me entrego

Por tudo que nós crescemos
E por tudo que nós deixamos de ser
Tantas coisas que eu quero lembrar pra sempre
Mas eventualmente vou esquecer

São tantas as coisas que acontecem
E tão poucas realmente merecem a nossa atenção
De tudo que eu tenho
Ainda acho que o desespero é a melhor distração

Para os pensamentos que me assombram
E para os pesadelos que me acordam
Mesmo depois de tantos sonhos
São muito pouco os que realmente sobram

E mesmo os que sobram perdem o sentido
Representam apenas lembranças agora
De alguma coisa que você já foi
Mas a próxima coisa que você será não demora

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Nem Luz, Nem Trevas

A vida ainda não me ajuda a regar as flores que murcharam
Tantas foram as razões para os amores que me deixaram
"Eu quero respirar", "te preciso mais perto"
Aceitei tantos erros mesmo estando certo...

Há uma parte em mim onde nem luz nem trevas atingem
Sensações e sentimentos escondidos nunca fingem
Se escondem lá e preferem não mostrar o rosto
Vou definhar antes de sentir de novo seu gosto

Será amargo e condenatório, vai ferir mais que curar
Feche os olhos e se permita partir sem descansar
E você conseguirá me deixar, sem vestígios nem peso na consciência
Sem culpa, nem desculpa para a falta de inocência

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Enquanto Espero

Se eu sentir, espero que tu também sintas o que quer que seja
Se eu beijar, espero que seja tua boca que me almeja
Se eu corar, espero que seja por sentir tua pele
Se eu me calar, espero que seja tua boca que me sele

Se eu cair, espero que tu me perdoes por não ter sido forte
Se eu sangrar, espero que tu acredites que não sinto o corte
Se eu mentir, espero que tu finjas crer em mim
Se eu começar, espero que tu sejas quem porá um fim

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Cicatriz

Deixe que a vida se dissipe enquanto o corte cicatriza
E que as nuvens desapareçam enquanto a tempestade ameniza
Haverá motivo se houver respiração, mesmo que fraca
Deixe que a sorte faça a escolha entre o punhal e a faca

E enquanto nós esperamos que alguma luz se acenda
Talvez seja a hora de finalmente desamarrar essa venda
E nós sobreviveremos, mesmo depois que o mundo acabar
Nós sobreviveremos mesmo que nos falte o ar


Abrace o seu destino, somente para depois rejeitá-lo
Faça sua própria escolha, é apenas disso que eu falo
Esqueça a ferida, ela vai parar de sangrar alguma hora
E aceite a dor, ela é a única que nunca irá embora

Enquanto nós esperamos que tudo eventualmente desapareça
Deixe o mundo inteiro ruir sobre as nossas cabeças
E nós sobreviveremos, mesmo depois que o mundo acabar
Nós sobreviveremos até quando nos faltar o ar

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Hoje

Viajei.
Procurei.
Cacei.
Quis, mais que tudo, encontrar um pontinho no planeta que significasse algo pra mim.
Perdi o chão.
As bases.
A fé.
E tudo que ficou foi a incerteza
De que, talvez, nada disso tenha sequer existido.
De repente, o mundo não gira mais.
Estou eu, parada no ponto mais alto que eu posso estar.
Olhando para baixo.
Olhando para o centro da Terra.
Esperando que tudo volte a se mexer
E me derrube.
No gelo
Branco,
Inofensivo.
Inocente.
Coberto de sangue
E de lágrimas
Que, misturadas ao gelo, jamais serão encontradas.
Aqui estou eu, sentada no alto do mundo,
Olhando para todos os lados,
Vendo pessoas rindo,
Ou não.
Andando ao redor do mundo,
Vivendo.
Apenas vivendo.
Superando
E seguindo em frente
Com a certeza de que, quando tudo acabar, o mundo seguirá sem eles.
E aqui estou eu, diante da verdade mais indubitável de todas:
O mundo não é meu
(talvez nunca tenha sido)
E
A minha Vienna não existe no mapa-mundi.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Um Pouco do Que Eu Não Entendo

Eu quero a voz nua do silêncio
Gritando em cada momento de solidão
Aquela voz que emana do nada
E mata minha própria reflexão
Não me deixa ter concentração

Quero a paz de um canto escuro
E a luz de um dia nublado
Mais nuvens e menos sol
Menos portas e mais cadeados
Prefiro permanecer trancado

Quero a lucidez que dura apenas um instante
O beijo sem sentimento de uma amante
Repleto de lascívia, e sem fundamento

Quero a vida que se extingue após o beijo
A palavra que se desculpa pelo que eu não desejo
Repleta de temor e arrependimento

A sina que se completa cada vez que eu me arrependo
Quero um pouco mais daquilo que eu não entendo
Um pouco mais do que não me faz falta

Uma boca sem argumentos e uma mente vazia
Um pouco menos de cura e um pouco mais de agonia
Aquela mesma agonia que me mata

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A Palavra de Hoje é...

Vivenciar.
E o que fazer com uma palavra?

Fechar os olhos
E ouvir o som que ela faz quando entra pelos ouvidos
Para que, quando abrir os olhos,
Possa saber sobre a força de uma palavra.
E que não é só uma palavra:
É vivência,
É viver.
É sobre sentir com o corpo
O mundo que te toca.
Sobre mandar pro coração o que os olhos vêem
(e o que não vêem).
Para que possa sentir
Antes de pensar.
É sobre o toque
Que deixa o corpo falar
E ouvir a sensação profunda
De fazer antes
O que se acha que vem depois.
É amar enquanto há tempo
Porque a mente não processa tão rápido;
É odiar enquanto se sabe
Que se pode experimentar tudo que é possível
Para fazer as pazes
Lentamente.
É sentir o gosto do que não se pode ver ou tocar
E saber que
Sem vivenciar o hoje
As palavras faltarão amanhã.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Ainda Cego

Livro-me de todos os pensamentos
Toda noite quando tinjo o relento
Com a cor de teus olhos sem sentimentos

O céu escuro que me ilumina
Joga todas as cores direto na minha retina
Nas noites claras da minha sina

A perda dos sentidos é só uma consequência
Saber e sentir nunca foram ciências
Ainda sou um cego pela falta do que ver
O que sobra é apenas o resto ao amanhecer


Atingido em cheio pela claridade
Um pouco de lucidez em resposta à vaidade
Talvez apenas o que falta seja temeridade

Uma certeza e uma ilusão de mãos dadas
Poderia ser real, poderia não ser nada
Eu ainda pincelo o horizonte com suas estrelas roubadas

A perda dos sentidos é só uma consequência
Saber e sentir nunca foram ciências
Ainda sou um cego pela falta do que ver
O que sobra é apenas o resto ao amanhecer

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Silêncio Ao Relento

As ruas andam tão vazias e o céu parece tão cinza
Ainda há vozes, mas são tão vazias quanto uma briza
Não há nem mesmo tempestade para iluminar o céu
Mas a voz da lua ainda soa tão doce quanto cruel

Ela parece sussurrar, cantar uma serenata
E é por isso que o silêncio ainda me mata
Eu não entendo o que ele diz, apesar do costume
Ele fere minha sanidade como uma faca sem gume

Perfura meus tímpanos e beija o sangue da veia
Enquanto eu provo o fruto que a loucura semeia
Observo as estrelas se apagarem, sentado ao relento
Sorvendo a solidão presente em cada momento

O fruto e a solidão são doces, mas a mistura é amarga
Mas são mais belos à luz de uma estrela que se apaga
E enquanto a lua sussura os versos que eu não ouço
Eu vejo que tudo que eu preciso cabe em meu bolso

Voz, visão, sonho, boca, sentimento e olhar
Mais que isso é desnecessário, só é preciso o ar
Apago as lembranças para dar espaço a novos sons
Mas mantenho os pesadelos, mesmo não tendo gosto bom

Apesar de tão azedos, eles tem sua utilidade
Sem silêncio não há voz, e sem pesadelo não há realidade
O crime da inocência perpetrado pelo olhar
Que não enxerga o porquê de continuar a sonhar

O motivo é escrito em linhas tortas, mas ainda é legível
Talvez seja tornar palpável o que parece impossível
E até mesmo pegar uma estrela entre as mãos
Pode ser possível com menos que uma mera oração

Agarre-se ao sonho como um pecador abraça a cruz
Nos últimos momentos ele pode ser sua única fonte de luz
E agarre-se ao pesadelo como um tolo abraça o amor
Nos últimos momentos ele pode ser sua única fonte de calor

Agarre também a vida, sem ela os sonhos não tem sentido
As mãos estão cansadas, mas o medo tem diminuido
E aos poucos você se torna parte daquilo que sonhou
Não teme mais o desconhecido, o que a lua não iluminou

Tudo parece natural e você se entrega sem receio
Volta a ser inteiro o que se partiu ao meio
Recuperando aos poucos a capacidade de estar vivo
Você deixa de ser tão temeroso e esquivo

terça-feira, 31 de julho de 2012

Um Pouco de Paz

Eram três da manhã e ele se perguntava por que diabos ainda estava encarando aquele par de olhos vermelhos e cansados pela insônia. De repente o demônio do outro lado do espelho fez acender uma pergunta na sua mente. “Pelo que você venderia sua alma?”. A parte mais assustadora? Ele não sabia. Começou a refletir sobre isso, ignorando completamente o fato de ter que levantar dali a menos de quatro horas para ir para aquela maldita aula que ele nem sabia por que estava indo.

Olhou para aquele espelho rachado pela última vez e lembrou-se do momento em que a rachadura havia sido causada. Um acesso de fúria, uma namorada sem coragem para terminar cara a cara do outro lado da linha, um telefone celular sendo atirado involuntariamente contra a parede, um soco no espelho e um grito. Até hoje não tinha descoberto se o grito havia sido pela dor da mão cortada com um único e pequeno caco que se desprendeu ou pela burrice de ter jogado longe o aparelho novo. No final das contas aquela talvez fosse uma memória boa, pois foi naquela hora que ele percebeu o quanto não se importava com aquela pessoa sem coragem e o quanto ela não faria falta (talvez “alguém” fizesse, mas não ela). Apagou a luz do banheiro e foi se deitar para tentar ao menos alguns minutos de sono.

Obviamente não conseguiu dormir. Aquele pequeno demônio do espelho saiu junto dele do banheiro e se alojou no seu ombro esquerdo. Deitou-se de barriga pra cima (afinal não queria machucar o pequenino em seu ombro) encarando o escuro e decidiu tentar descobrir. “Pelo que eu venderia a minha alma?”

“Um amor talvez?”. Não, definitivamente não. Já havia passado pela sua fase sentimental com um bom número de cicatrizes e aprendizados para correr atrás de mais problemas, principalmente se tivesse que comprometer sua alma no processo. Se tivesse que dar com a cara no muro outra vez, preferia ter sua alma, mesmo que não estivesse intacta, pra poder seguir o caminho.

“Uma pilha enorme de dinheiro?”. Menos ainda. Não era tão ligado assim em bens materiais, estava mais preocupado em se divertir, independente do que isso significasse pra ele. Fosse passar uma noite de sábado lendo e vendo filmes ou numa festa, dinheiro não era uma preocupação, apenas o suficiente era suficiente.

“Poder e fama?!”. Sempre se perguntou o que significava isso que tanta gente falava sobre os tais “poder e fama”. Soava tão tolo e pequeno quanto desnecessário. Meia dúzia de amigos era toda fama que ele queria e o poder de abrir uma garrafa de vinho com eles idem.

“Já sei... um pouco de sono. Nesse momento minha alma por um pouco de sono seria um bom negócio”. E precisamente nesse momento tocou o despertador. Ele olhou com o canto dos olhos para aquela luzinha piscando em seu celular, amaldiçoou a hora e desligou a “soneca”, afinal já estava acordado. Só então se lembrou. “Hoje é sábado!”. Se virou, apoiado em cima do ombro e ignorando aquela pobre criatura que havia sido esmagada com o movimento, pensou “Não é hoje que vou precisar vender minha alma por um pouco de sono” e então adormeceu. Não chegou a perceber, mas teria sido capaz de vender sua alma apenas por um pouco de paz.

sábado, 28 de julho de 2012

Mulher

Olhou para fora e viu o céu alaranjado, a luz que entrava pela enorme janela de vidro tomava conta do quarto que já fora escuro. O abajur branco agora estava colorido e parecia anunciar o movimento temporal do mundo lá fora. Dentro do quarto perdera-se das luzes e a noção do tempo.
Fitou o sol na tentativa de saber se era dia ou noite, tentando criar empatia pela ideia de voltar ao mundo real. Pensou nos pontos cardeais e soube que não sabia onde ficava leste e nem oeste. Riu da própria incapacidade que julgara impossível. De repente deu-se conta do riso, o primeiro depois de acordar. Quis levantar, mas algo a prendia na cama.
Aquela sensação a consumia. Fechou os olhos e conseguiu localizar cada pedaço do seu corpo, como um escoteiro que se localiza pelas estrelas do céu e quase podia tocá-lo. Sentia o cheiro do perfume que hvia marcado seu corpo para sempre. Parecia ter ouvido um som, e a sensação a fez contorcer-se. Em seus olhos se passavam as imagens dos antigos dias alaranjados, os mais diferentes locais, uma coleção de suspiros.
Revolveu um corpo seminu na cama. A camisa longa e cinza lhe parecia um vestido amassado e descuidadamente curto, onde lhe apareciam as pernas grossas e lisas, com algumas marcas de infância lhe desenhando o corpo a mostra, ocultando o quadril, a cintura e o ombro, onde havia um desenho pequeno, sinuoso, quase convidativo, do lado esquerdo. Mais abaixo, suas pernas revelavam um enorme sinal que era sua marca registrada. O corpo percorria a cama, cheio de vida, em movimentos delicados, misteriosos. Antes que se desse conta, sua cabeça ficava cada vez mais cheia de pensamentos reprimíveis e desejáveis, e ela fez força para expulsá-los, apesar de parecer inevitável diante daquela tal lembrança. Quis encontrar o homem, sair e buscá-lo pela rua, mas as fotos nos quarto lhe mostravam os mais diversos motivos para não sair de lá.
E continuava a revirar-se, o pensamento reprimindo, os olhos observando a metade da cama engomada que sinalizava a solidão. De repente soube que não precisaria mais reprimir o desejo, a luz laranja invadindo o quarto, ocupando o espaço do amante, fazendo-a fechar os olhos escuros na cama meio quente, meio feita, e que assim continuou como se esperasse o corpo para ocupar o espaço e desarrumá-lo, como a luz laranja não é capaz de fazer e como devia acontecer com todas as camas. Chovia, e não se sabia se anoitecia ou amanhecia, mas o som da chuva convidava seu corpo quente a permanecer onde estava. O som gelado, os pés nus e o corpo a mostra dentro da camisa que não tinha pretensão alguma de vesti-la. Quis novamente levantar-e, repousou os pés no chão gelado, e o frio imediatamente congelou suas veias, ela tirando uma camisa amassada e correndo em passos curtos em direção ao banho, guardando um gesto mecânico para a torneira e se afogando na água gelada, os cabelos ensaiando uma vida quase incômoda, os pêlos ouriçados pelo frio. Desejou que qualquer um entrasse pela porta para ensaiar um recomeço, a pele enrugando e o frio aumentando, os olhos irritados com o sabonete, limpando os pensamentos desejáveis.
Tremeu, enrolou-se numa toalha macia e voltou para seu abajur ao lado da cama meio desfeita, o vulto negro tomando conta do quarto e preenchendo os espaços vazios, como toda sombra diante de um céu de qualquer cor quente e indefinida. E o quarto parecia ainda mais vazio, não importava o que lhe preenchesse. A chuva continuava, o corpo novamente na cama, a toalha jogada em cima do carpete novo e limpo, esquecendo o corpo espalhado, conservando a parte feita, e aquilo a matava. A cama já molhada pela água, o travesseiro encharcado, as lagrimas percorrendo o corpo a mostra, delineando a silhueta, ardendo e queimando, farto de curvas e de dores, procurando um recomeço.
Olhou para o teto, deitou-se em posição de morte, procurando a vida que já teve antes. Não lhe importava o antigo amante ou qualquer outro que já tivesse tido, não lhe importava o poder que exercia sobre eles ou nada daquilo. Por um momento era apenas um corpo: nu, laranja com o sol, molhado pela água salgada. Um coração inacessível. Ouviu novamente tudo que já havia dito a si mesma sobre a situação, repetiu mentalmente o recomeço, explicou para ela mesma todo o medo da dor, do passado e do futuro. Entendeu, naquele momento, que todos aqueles dias que passou pensando nas opções que tinha de seguir com a própria vida não lhe serviram de nada; muito pouco era o que ela conseguia controlar. Teve medo. Não de recomeçar e errar novamente, mas de não ter novos motivos para cometer novos erros. Teve medo de não acertar de novo, e se perguntou quantas vezes mais ela cairia e se reergueria. Mas pensou também que o futuro a esperava, e aquela garoa safada que zombava dela e duvidava da sua capacidade de levantar da cama a deixou mais ansiosa. Impaciente, jogando o corpo agora nu de um lado a outro, o coração palpitando dentro do peito, os seios movendo-se sutilmente com as batidas.
Com a cama meio desfeita e uma cor laranja entrando pela janela do quarto, sem ter ideia se era dia ou noite, muito menos em que dia da semana estava, pousou-lhe como uma folha seca a certeza de que o futuro não criaria asas e bateria na porta do quarto, então levantou-se, entrou num vestido qualquer e encaixou os pés em um sapato colocado cuidadosamente ao lado da cama; jogou o cabelo curto para o lado e saiu, a chuva marcando o corpo, o frio embaçando a vista. Era o pior lugar possível, mas ela estava pronta para o homem que, de uma forma ou de outra, estava com ela há tempos, e por mais que já tivesse saído para encontrá-lo tantas vezes, nenhum encontro jamais seria como aquele. Tinha um novo encontro com o recomeço.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Momento de Fraqueza

E quando a mão que abre o corte
É a mesma que lhe segura quando você cai?
Amor com amor se paga
E amor com amor se trai


E se o olhar que encerra o julgamento
For o mesmo que lhe mostra bondade?
Aceitação retribuída com indiferença
E mentira retribuída com honestidade

A voz que faz juras de amor
Pode ser a mesma que amaldiçoa
A chibatada pode ser dada pela mão
Que retira os espinhos da coroa

O beijo pode partir da mesma boca
Que cospe o veneno em sua veia
Você faz as fundações em pedra
Mas ela constrói um castelo de areia

Você pode tentar acreditar
Mas não há nunca como ter certeza
A eternidade é apenas uma promessa
Dita num momento de fraqueza

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ilusão

Me dê apenas o que eu peço, e eu não peço pra existir
Eu sou apenas uma ilusão que não está aqui
Eu sou a voz na sua cabeça
Que te ouve quando fala sozinho
Eu sou quem não deixa que você se esqueça
Eu sou o sangue no seu vinho

O crime que você não comete quando se torna outro alguém
Serei a mão delicada que tocará seu réquiem
Roubarei sua respiração
Junto de algumas lágrimas amargas
Serei parte de cada sonho em vão
Em cada lembrança vaga

O tiro no escuro e cada ação sem sentido
O corte nos pulsos e o olhar combalido
Cada noite em claro guiada por pensamentos
A falta de paz em cada momento
Os olhos vermelhos e as pálpebras rachadas
Quando a insônia e a insensatez viram aliadas
Eu talvez não exista, mas você me pertence
Eu sou você quando você está ausente


Me dê o que eu quero e eu talvez deixe de existir
Você já se entregou tantas vezes e eu ainda não morri
Eu sou o que você acredita
Mas talvez seja apenas ilusão
Seja meu novamente e não resista
Sou uma passageira maldição

Os olhos vermelhos e as pálpebras rachadas
Quando a insônia e a insensatez viram aliadas
Eu talvez não exista, mas você me pertence
Eu sou você quando você está ausente
Um crime sem vítimas e sem culpado
Nos tornamos apenas um sem você ter notado
A boca seca e a língua muda
Um olhar incriminador e ausência de culpa
E não há mais nada que você possa fazer
Então tente ao menos sobreviver

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Chovia.

Ela na sala meio escurecida, sentada na poltrona, olhando para os lados, sem acreditar muito no que havia acontecido. As fotos ainda estavam espalhadas por todos os lados, as fotos deles abraçados, sorrindo, felizes como o bom casal que eram. Olhar praquilo a fazia perder todas as forças, e ela ia enfraquecendo. Aquela sensação a consumia, parecia preenchê-la por completo, a lembrança de tudo que havia dito e de tudo que lhe escapou no momento. Lembrou-se do quanto se sentiu atingida, colocando no lugar todos os pensamentos soltos, enquadrar cada sentimento no seu lugar, cada gesto encaixotado. Parecia interminável, parecia impossível. Ele era impossível, e a tirava cada vez mais do sério enquanto ele ria, o cheiro do descontrole chegando às narinas. Ele sabendo o que ela tentava fazer, tendo certeza do insucesso e soltando risinhos discretos, a boca mexendo-se o mínimo possível e o som da voz grossa saindo do sorriso. Ela ficava linda naquele papel de incerteza.

Ela o odiou pela sua pretensão. Parado à sua frente como um monge, rindo como se fosse superior, sempre odiou isso, mas se odiava mais ainda por não conseguir sentir a raiva que aparentava sentir, apenas a lamentação de algo que acabava cedo demais. Algo que, segundo sua mãe, nem deveria ter começado. Continuava tentando racionalizar seus motivos. “colocar as coisas no lugar”, era como ela chamava. Ele mudara tanto desde quando se conheceram que mal podia reconhecê-lo. Apesar de todo o resto, ele ainda tinha aquele sorriso de ventríloquo, meio sarcástico e meio divertido, que se desintegrava quando ela o olhava daquela maneira.
Ela guardava aquele olhar para aquele sorriso, que por sua vez ele reservava para os momentos em que não sabia se estava certo ou errado, se escondendo atrás da própria cara de monge, e o homem atrás do rosto tinha a certeza de que aquilo acabaria bem, esse era o significado do sorriso. Dessa vez não sabia se terminaria bem, não sabia sequer se terminaria. A chuva desabando do lado de fora, ele com medo de ir embora, e seu sorriso deteriorou-se antes do olhar ameaçador dela, que, segundo ele parecia mais um “você não entende mesmo”.
Ela não parava de falar, ele ora ouvindo, ora desejando-a, ouviu uma palavra qualquer que o fez explodir como uma faísca perto da pólvora, e desatinou a falar. Por algum motivo, a paz entre o casal parecia existir naquele momento, onde os dois estavam sintonizados na mesma estação, ele sem a pretensão no rosto, ela sem o monopólio do descontrole. Disseram todas as palavras que existiam, se magoaram, e o arrependimento estava presente na sala. Apesar dos dois terem sentido isso, ambos sabiam que cada palavra dita era verdade, e se tudo era realmente assim, um deles deveria fazer a gentileza de acabar de uma vez. Um esperava pelo outro, e o silêncio instaurou-se.
Dentro do vestido florido, colocado para ser tirado, na esperança dele entender de uma vez, ela viu no sorriso dele que seria diferente. Ele mudara, ela mudara. Ela queria dizer isso, mas nunca era simples dizer algo assim, não pela frase, mas pelo que vem depois. Os dois se deram conta de que ela se escondia atrás da racionalização, do ódio por ele ter mudado, e da raiva de não conseguir parar de querer que tudo aquilo acabasse e terminasse pela manhã enquanto ele tentava fazer pouco dos alertas anteriores de que o desgaste da relação batia à porta deles. A relação estava finalmente com os minutos contados, o silêncio insuportável, a chuva piorando, o som da água no telhado parecendo um blues melancólico de fim de relacionamento. Diante de todos aqueles insights-malditos-destruidores-de-lares eles ficavam indefesos, não se pode competir com a clareza de certos momentos.

Ele, deitado no sofá, ensopado, escondendo as lágrimas com a água da chuva, se perguntando se era mesmo tudo aquilo, como podia ser tudo aquilo, porque havia sido assim. Talvez tenha tido medo, talvez tenha sido arrogante, talvez seja só uma das coisas que acontecem na vida da gente, como se isso explicasse ou justificasse qualquer coisa, e essa era uma das coisas que se dizia para deixar aquilo de lado, mas não funcionava mais. Só conseguia pensar em como ela estria naquele momento, as mãozinhas delicadas sujas de tinta dentro do quarto inacabado, colorido e meio desenhado, molhando a tinta com as lágrimas, amaldiçoando-o e se arrependendo dele para sempre. Diante da possibilidade ele sentiu um desejo impossível de abraçá-la, consolá-la, chamar-se de canalha só pra ela sorrir aquele risinho bobo de novo, quando notou que jamais veria seu sorriso bobo outra vez.

domingo, 22 de julho de 2012

Veneno

Os versos foram escritos na areia
Mas a história ainda permeia
Sentimentos gravados em rocha
Sucumbiram como a flor que não desabrocha

Se existe algo que possa durar
Que ao menos seja a vida
A dor em troca de um momento
Sorva o veneno, beba o sangue da ferida


Escrita em linhas mal traçadas
A história está errada
O que foi visto, não foi entendido
Não foi o que deveria ter sido

Se há algo que deva durar
Que dure mais que o veneno
Tomar uma dose maior
Tornará seu espírito pleno


Não houve volta, nem cura para a doença
Nem culpa, nem incoência na sentença
Feriu e fechou-se, como manda a ordem natural
Mas ainda há cicatriz, para o bem ou para o mal

Se existe algo que possa durar
Que ao menos seja a vida
A dor em troca de um momento
Sorva o veneno, beba o sangue da ferida

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Algum Sentido

Ela só queria chegar em casa, tomar um banho e se enfiar embaixo das cobertas. Havia sido um dia cheio no trabalho, muito que fazer, muitas ligações para atender, muitas pessoas para falar... Mas nem mesmo tudo isso conseguia distrair sua cabeça. Não, não havia absolutamente nada errado, mas tampouco havia algo certo.

Enquanto esperava o sinal abrir com a mão na direção, olhou para seu pulso e viu aquela pequena marca vergonhosa, aquele lembrete constante do ato de covardia. Quanto tempo fazia? Um mês? Meio ano? Ela já havia desistido de contar há mais tempo do que conseguia lembrar, mas não conseguia esquecer da fraqueza que aquela cicatriz significava.

Quando finalmente chegou à casa bagunçada (afinal havia tempo para arrumá-la quanto havia para arrumar seus pensamentos) já havia quase desistido de ir para o banho, mas sabia que, se decidisse se deitar agora, perderia mais tempo pensando que dormindo, talvez a noite inteira. Abriu o armário para guardar algumas coisas, mas infelizmente a gravidade não estava do seu lado e ela esbarrou em uma memória. Em uma caixa delas, mais especificamente. Aquela caixa velha com todas as fotos, todos os bilhetes, todas as poesias, todos tudo.

Por algum motivo, que ela nunca entendeu direito, decidiu abrir a tal caixa. A primeira coisa que viu foi um bilhete com alguns versos e, antes mesmo de ler a primeira linha inteira, já o tinha rasgado ao meio. Quando percebeu, todas as cartas já haviam recebido o mesmo destino. Pensou que talvez fosse tão fácil assim com as fotos também, mas estava enganada. Olhou-as uma por uma, tentando encontrar algum motivo para mantê-las ali dentro do guarda-roupa. Não encontrou nenhum motivo para guardá-las, mas, pior que isso, também não achou nenhum motivo para destruí-las, e era isso que feria mais.

Apesar de não ter encontrado nem um motivo sequer, acabou encontrando várias coisas que já haviam sido varridas de sua cabeça, muitas delas voluntariamente, e então se lembrou de por que havia escolhido esquecê-las. Elas ainda doíam, e mesmo que muito pouco, dor era a última coisa para qual ela estava preparada no momento. De repente a última de todas as memórias acabou vindo, como ela já deveria ter esperado. Não houve “tchau”, “até mais”, nem nenhum tipo de despedida, só uma frase que na hora ela não entendeu muito bem. “Amor com amor se paga, e amor com amor se trai”. É, agora tinha algum sentido...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Remorso

O sangue seco sob os seus olhos é a prova
Das lágrimas que você não derrubou por remorso
Tantos gritos presos e tantas noites em claro
Terá valido a pena todo esse esforço?

Já aconteceu tudo que poderia acontecer
E você ainda não arrisca nem meio sorriso
Você tem absolutamente tudo em suas mãos
Mas será que já sabe o que é preciso?

Feche seus olhos e apague a luz
Eles não serão necessários para você enxergar
Abrace o pecado e largue a cruz
Você sabe de seus erros sem ninguém para apontar

Entenda a dor e ame a cicatriz
O tato é suficiente para você saber por onde anda
O medo é surdo e não sabe o que diz
Mas é o único que sabe do beijo que você não manda

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobre a Saudade

Como qualquer coisa inexplicável, saudade não é uma palavra comum. Talvez seja a palavra mais dolorida que se conhece. Como qualquer coisa inexplicável, saudade é uma palavra milagrosa, tradutora de algo que só existe dentro da gente, só sobrevive dentro da gente, e, quando sai pela nossa boca se desfacela e vai embora, derrete nos dedos, deixa um vazio de algo ruim que fica pior quando some. Saudade é algo meu e seu, e cada um de nós tinge com suas cores, com sua força, com sua vida; é sentimento, e como todo sentimento, cada um só conhece o seu e quer saber do do outro. Saudade é o que eu digo pra tirar de mim, mesmo sem saber se é o que eu quero.

Saudade é uma palavra que dói em todo o corpo, em tudo que se vê, em cada coisa viva.

Às vezes, saudade é um sentimento que nós nos proibimos de sentir, e também é a prova de que não mandamos no sentimento.

A saudade dentro de mim é permitida, mas triste, é lembrar-se da certeza de uma amizade que não volta. E você se torna menos um. Menos um motivo pra seguir, menos um socorro no meio da noite, menos uma noite mal dormida. Menos uma daquelas preocupações gostosas que a gente agradece por ter.

Saudade é ver que ter razão não basta, às vezes. Ter saudade é algo irracional. Saudade do desconhecido, saudade do que o coração conhece bem, mas a mente precisa de algo a mais. É ter algo que nunca se teve, somar contas negativas, multiplicar ao invés de dividir.

Saudade é lembrar-se dos aprendizados, das certezas, da incoerência de alguém doce com tons amargos, uma beleza quase estranha, surpreendente, um tom quase ingênuo. Lembrar de sons e não-cores, de ensinar amores, de ter carinho, de ter tido lugar marcado, sentindo-se importante para sempre.

Saudade é um som em tom obsceno, censurado. Um tom de raiva pelo acerto que se torna erro, uma vontade de ficar quieta no canto, de interromper antes de ser tarde, antes de ser necessário sentir saudades.

É um sentimento bonito que sai de mim amargurado, vazio, inevitável. Tentando seguir em frente, querendo ter encontrado alternativa a tempo de chegar ao tudo ou nada.

Saudade é um jogo de dados, onde você ganha ou perde, e ganhar é manter algo bom, perder é viver com a sensação de que tem algo errado, algo faltando. É ter que mudar o que não se quer mudar. É uma roleta viciada, inevitável, quase irritante.

Saudade é o que se tem e não se perde, é um presente maldito, vazio, que se garante e não se preenche, é um momento bom da vida que não volta.

Saudade é querer lembrar-se de um jeito doce, mas se censurar por lembrar com força.

Saudade é tentar esquecer algo que lhe falta, mas criar um buraco com um fundo muito grande;

É se afogar num mar bem fundo, é ter medo de não voltar ao que já se foi, e ter cada vez mais medo por saber que não voltará.

Saudade é a peça que a vida nos prega, abraçada com o tempo, tomando um copo de cerveja num bar barato, rindo dos destinos que se pode mudar

Saudade é brincar de deus, ter um sentimento intenso em si e, mesmo que não consiga tirá-lo de você, sentir-se poderoso por alguns momentos.

Saudade é frustrar-se por ter história pra contar, é frustrar-se por sua vida ter se tornado história que só se revive quando sai de você pro mundo, sentindo-se bem por tirar a tristeza de si, mas sentindo-se mal por deixar um vazio cada vez mais evidente no lugar.

Saudade é algo que não se esquece, que não some nunca. Saudade é ter medo de não ser lembrado de quem se lembra, de não pensarem em você com amor, ternura, sentimentos bons.

Saudade é ter medo por não ter certeza do que foi pra alguém, é a prova maior da incerteza do que podemos fazer, a prova do que não podemos fazer.

Saudade é você, e cada vez mais, com seus dentes enormes, suas garras vermelhas, seus olhos sorrindo, sempre apertados, fazendo todos temerem algo que me dá saudades.

SweetieLotus .

domingo, 15 de julho de 2012

Sobre a Panacéia Perversa

Dizem que é fácil pensar em finais felizes, mas nem sempre é assim. Com o tempo, a vida me mostrou que "não ser feliz" e "ser triste" são, definitivamente, coisas diferentes. Neste momento da vida, é como estar diante de uma avalanche, um monte de gelo em cima de você, enquanto você procura com todas as forças algo que lhe aqueça o coração. Nesse instante, "não ser feliz" e "ser triste" podem até ser coisas diferentes, mas se completam e ajudam a falar sobre a minha história. Mas não é bem sobre o passado, é sobre o que isso me trouxe, e que parece impossível largar.
É sobre ter desaprendido a escrever finais felizes, ou até mesmo finais justos. Cada vez que eu penso em felicidade, eu penso em infelicidade, sempre tentando usar o lado ruim da vida para explicar o lado bom. Se me perguntassem há alguns meses atrás, eu poderia dizer que felicidade era um banho de chuva em um dia quente, um beijo surpreendente numa quarta-feira monótona, achar uma moeda na rua, ouvir algo doce ou gentil de alguém que não se conhece ou que não se espera, caminhar na praia, ter alguém pra te fazer cócegas até sua barriga doer de tanto rir. Mas hoje esses conceitos não são mais do que palavras que saem da minha boca vazias, percorrendo os ouvidos à procura de algum sentido. Nesse exato momento, minha felicidade seria descrita de forma diferente. Pra mim, se alguém quer saber, felicidade é algo entre aprender a deixar as coisas para trás e olhar pra frente e aprender a caminhar sozinha. Com o tempo fica cada vez mais fácil descobrir que você realmente está sozinha, você se olha no espelho e não existe mais nada nos seus olhos que te impulsionem pra algo que te preencha. É como perder a capacidade de ser feita de amor, de exalar toda a doçura que se tem guardada, de ter alguém pra perguntar porque coisas ruins acontecem às pessoas boas. É como precisar escrever coisas ruins sem sentido para desconhecidos, esperando que alguém chute uma carta no chão e se importe em lê-la até o fim (ainda que ela seja muito ruim). É como torcer por algo que não vai acontecer, esperar que alguém se importe com o seu dia ou cuide para que você não se atrase, esqueça o casaco ou durma na hora errada. Felicidade, pra mim, é ter esperanças, mesmo sem ter motivo algum, de que alguém vai ler sobre você, saber da sua vida, e se perguntar o que houve. É poder olhar nos olhos de alguém preocupado, é ter alguém pra espalhar toda a mágoa que se sente por não saber o que vai ser dali pra frente, poder exagerar nos sentimentos guardados. É não se importar em saber se alguém se importa, ser suficiente pra si, poder fazer algo de volta a quem te fez algo, seja bom ou ruim. Para mim, a felicidade só pode ser descrita, nesse momento, como o contrário da infelicidade, usar algo ruim para descrever algo bom, perverter os sentimentos escondidos em busca da cura. Para mim, felicidade é algo que eu não consigo ver na linha do horizonte, mas que, racionalmente, eu entendo que existe. Para mim, felicidade é a infelicidade de uma forma diferente, só não sei como.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ainda

Eu vi anjos chorarem e demônios rirem
Castelos de areia durarem e fortalezas ruírem
Eu vi veias com espinhos e flores sangrando
Vi olhos que sorriam com lábios chorando

Senti dor em minha própria cabeça
Enquanto murmurava a palavra "esqueça"
Eu já vi até mesmo um pedaço do céu cair
Mas ainda não sei se você pode sentir

Ainda não descobri até onde você vai
Até onde está disposta a ir
Nem se pretende me deixar ir junto
Ou me obrigar a partir

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Insira Aqui a Tragédia do Dia

E, repentinamente, passou pelos seus ouvidos um som doce. Um sim, lento e macio, como as coisas boas da vida. Quase pôde saborear aquela palavra, tocá-la, sentí-la, como num hiperrealismo, uma experiência mágica de uma palavra capaz de mudar todas as coisas. Até então, mal soube o poder do que dizia. Falava pelos cotovelos, mexia as mãos e ria, ria muito. Era uma boa vida. Meio superficial, meio vazia, meio só, mas uma boa vida. A moça tinha muito a oferecer, um carinho guardado, sensações acumuladas que não dividia com ninguém. Um ar triste no olhar, que se renovava facilmente. Com um sim, por exemplo. Um doce sim, na hora certa, do homem certo.
Um ar de perfeição pairava no ar pesado cheio de sons, nada romântico. Era quase uma afronta à felicidade repentina dela, que não conhecia um local mais complicado. Era acostumada com a simplicidade, locais lindos e calmos servindo de moldura para quando ela entregava seu coração. Mas aprendeu da pior maneira que molduras bonitas não fazem bons quadros. Seu coração logo se acostumara aos baques, pedradas. Parecia estar sempre despedaçado, colado com saliva, colorido num tom superficial de qualquer coisa. Mas, ao menos, era uma boa moldura. Não sabia o que seria do seu coração naquele local, talvez não sobrevivesse.
Mas sobreviveu. Vinha se acostumando ao local diferente, ar pesado, sons estridentes. Um local intenso e desinteressado, embora grandioso. Parecia que nada importava, e sentiu-se só. De repente, as coisas começaram a dar certo, pra variar. Era um sim. Calmo como quase nada naquele grande espaço vazio e preenchido, e aquilo a surpreendera. Eram cores que brotavam, as coisas se encaixando. Sentiu que sempre havia algo acontecendo naquele mundo, que parecia infinito e inesgotável, com uma quase necessidade de ser desbravado. Não entendia como aquilo podia ser comum, parecia estar em outra dimensão, vendo e ouvindo tudo com uma atenção quase cansativa de um cérebro preguiçoso que não queria processar mais nada. Mas se encaixava, e ela de repente estava ali, ouvindo um sim dançante, devagar, mole e macio, quase pegajoso. Um olhar escurecido preenchia o momento, o ar cintilava em volta dela, o seu corpo agradecia àquele momento vivo, onde as cores voltavam para dentro dela. Era algo acontecendo, tudo acontecia ao mesmo tempo, o que não era natural para a mocinha que não era mais tão falante assim.
Estava ali diante dele, que era um desconhecido (depois de despedaçar o coração algumas vezes, ela notou que todo mundo era desconhecido, fosse quem fosse) que ela vira há alguns meses, e que a fez colar seu coração com cola quente, ao invés de saliva. Estava de volta ao mundo. Tudo se encaixava, fazia sentido, e aquilo era surreal ao invés de comum.
Aquele par de olhos escuros brilhavam o tempo todo, e aquilo a fazia sorrir de novo e de novo. Decidiu esperar, mas seu coração pulava como se quisesse sair de dentro dela. Estava acontecendo de novo. Teve medo, claro que teve, sempre tinha, havia se fechado para sempre umas mil vezes, mas era insuportável ela não ter ninguém pra jogar cartas à noite, ver um filme ruim ou se distrair ao invés de comer compulsivamente sem engordar um grama sequer. Era uma moça bonita apesar de triste, e alguém notara isso. E era um sim, acompanhado de qualquer coisa que não importava, porque havia aberto uma porta dentro dela de onde saía uma luz que ela não sabia que tinha.

"Sim, mas veja bem...", era o que ele tinha dito. Fez uma pausa que lhe deu alívio, quase quis desistir da frase, mas ela o olhava de um modo tão terno que, embora tornasse tudo muito mais difícil, o fez ter certeza de que ela merecia aquele momento, visto que a outra opção era sair correndo e se sentindo culpado, sumindo para sempre num enorme espaço vazio e preenchido ao mesmo tempo, perfeito pra sua covardia. Era hesitante, sempre foi. Tão hesitante quanto bonito, o que o fez se acostumar com esse tipo de pausa longa, mas nunca suficiente.
Eram poucos segundos, e o ar ia ficando pesado, de uma alegria insuportável, como sempre ficava quando algo estava errado. Estava fora do lugar, preenchido com cores que lhe doíam, e ele só queria colocar uma enorme pedra naquela situação. Então abriu a boca, encheu de ar, e voltou à sua pausa. Engoliu o seco, e viu que era agora ou nunca. Tinha que ser antes que piorasse, ele não suportaria.
"...acho que esse não é um bom caminho.", terminou a frase, embora o que lhe passou pela cabeça foi algo mais próximo de um "não me faça sentir um completo canalha por não estar alegre como você, que fica mais bonita quando sorri, mesmo que não devesse estar sorrindo". Ou tivesse pensado em apenas correr, antes do seu cérebro congelar completamente. A frase não era suficiente, sabia que tinha algo a dizer, mas sabia que não precisava de tanta clareza, ou aquela moça frágil e doce que tinha um olhar de "estou pronta para ser feliz" e cheiro de qualquer coisa muito atraente que nunca conseguiu descobrir o que era simplesmente iria ao chão. Ele queria voltar atrás e tentar enrolar ainda mais, enganar a mocinha, não por pena, mas porque era difícil se separar daquele cheiro, ignorar aquele olhar e não querer fazê-la feliz dia e noite, enquanto tivesse forças para isso. Mas aquilo não bastaria, e embora ele tivesse um certo ar de cafageste (que ela ignorara completamente, porque era meio hipnotiznte), não chegava nem perto de sê-lo.

Foi quando o sorriso se desfez. As luzes do mundo pareciam ter se acabado, como no fim de alguma tragicomédia que a fizera se sentir uma boba. O hiperrealismo foi embora, e ela desejou jamais tê-lo sentido. Sentiu no ar que deveria ter notado que alguma coisa estava errada, mas dentro dela persistia aquele desejo de estar enganada dessa vez, e seu coração não se quebraria como açúcar mascavo. Sentiu-se culpada por ignorar o resto da frase, mas era inevitável. Olhou nos olhos dele, e ele tinha algo errado. Um ar de quase-culpa pela sua tristeza que tornou o ar insuportável. Ela abriu a boca, encheu-a de ar. Engoliu o seco, e abriu novamente a boca, como se tentasse lembrar de algo rude para dizer que não constava em seu repertório. Soube que não tinha nada a dizer, a não ser "Sou uma idiota, não é culpa sua". Quis abraçá-lo, como se aquilo tornasse algo mais fácil. Não sabia o que fazer para aquele momento acabar, seus pés fincaram no chão. Quis acender um cigarro e fazer aquela cara de desimportância, mas nunca havia fumado na vida, a não ser por aquele ar preto que ela achava que havia preenchido o mundo inteiro, como se encerrasse a cota de ora-mas-que-desgraça combinada com o-que-vou-comer-no-almoço. Quis desabar, quis nunca ter ido àquele lugar. Talvez, ela pensou por um segundo ou dois, não fosse ouvir nada daquilo, mas sabia que iria, algum dia, alguma hora. Quis culpa-lo, quis culpar-se, quis encontrar uma forma de fazer com que as coisas finalmente fizessem sentido, mas não existia. Era assim, "não entregue seu coração quebrado. Ao invés nisso, faça algo de útil", foi uma velha lição que lhe passou pelo cérebro quente em fração de segundos.

Ela se quebrava, rompia um limite que sabia que estava chegando cada vez mais perto dela. Antes de se descontrolar, sumiu na névoa, no preto-e-branco do apagão no mundo inteiro, ele parado, mais culpado que vivo, ela cambaleando vacilante, fazendo as pazes com o sentimento de que era uma completa idiota por achar que seria diferente. Ele com medo de que ela realmente fosse ao chão, ela desejando ser firme em cima dos chinelos, com aquele ar inocente de quem não sabe que é bonita que não a largava, e que ela não sabia que infestava o ar desde seus quinze anos. Ele vivo, seguindo a vida, voltando pro trabalho chato, cansativo, mas que se orgulhava de ter escolhido, sabendo que um café pela tarde e um uísque a noite lhe faria se sentir como se nada tivesse acontecido. Ela, com os olhos marejados, o corpo se movendo como uma onda, o coração desejando uma bela moldura para se quebrar, prestes a entrar na primeira porta aberta que lhe desse um copo de alguma bebida forte e doce, para se conformar mais rápido e lhe criar a velha saliva que colaria seu coração para que pudesse trocá-lo por um filme do Woody Allen.


sexta-feira, 6 de julho de 2012

Consciência

Posso até fechar meus olhos
Mas sempre que o faço, é o seu sorriso que eu enxergo
E mesmo que eu perdesse a visão
Só por poder vê-lo, não reclamaria nunca de estar cego

Posso até me deitar
Mas tenha certeza de que não irei adormecer
Acabarei por devanear
E se abrir os olhos no escuro, acabarei por lhe ver

Faça da minha presença
Um risco que você quer correr
Seja minha consciência
E mate minha sede de saber
Deixe a vontade ser intensa
Me deixe fazer parte do seu ser
Que eu lhe prometo toda minha crença
E tudo mais que eu puder ter

Nem cura, nem doença
Inferno e paraíso serão o que nós quisermos escolher
A razão que minha mente dispensa
Será motivo suficiente para viver

Minha boca já nem pensa
Só lhe diz o que minha cabeça quer dizer...

terça-feira, 3 de julho de 2012

Planos


Eu quero um futuro que me mantenha viva.
Um futuro que me beije os lábios e me faça sorrir
E pensar em um amanhã de sol e nuvens brancas.
Que me acaricie o rosto como o vento.
Que me tenha com um futuro inocente
de um jeito simples, doce...
e só meu.

Eu quero um futuro de possibilidades
Onde eu consiga um romance,
Um caso de amor particular;
Como uma onda salgada imaginária
que me envolva e me engula
e não me faça querer sair.

Eu quero um futuro que eu não domine
Com surpresas infinitas,
superáveis e possíveis.
Mas justo.
Com força e segurança,
Com ilusões que se tornem reais
Ou com as realidades coincidentes aos contos de fadas.

Eu quero um futuro que chegue
Com surpresas em laços de fita.
E que, no futuro, eu seja capaz de ser de amor.
Um amor feliz e revigorante,
Com sentimentos no lugar certo
E no momento certo.

Quero um futuro que me encontre na esquina,
Me olhe com esperança e sorria pra mim.
Eu quero sorte no futuro,
Ou seja lá o que for.
Quero um futuro que não dependa de ninguém.
Só de mim.
Para que, no futuro, eu largue o meu passado no passado,
E traga meu futuro pro presente.

domingo, 1 de julho de 2012

Por Dentro

A vida me questiona
Mas o espelho não quer me responder
São perguntas vazias
Que com o tempo eu vou esquecer

O tempo não me ouve
Os meus gritos não atingem o céu
A luz do sol
Cegou meu lado cruel

Uma voz me chama
O vento me guia
Mas meus pés
Não me levam aonde eu queria

A dor me encara
Minha inconsciência é insuficiente
Para me mostrar
O que se esconde em minha mente

Um corpo cai do um lado
Meu medo está calado
Meus olhos não querem se abrir
O caminho que eu ando não é o que eu quero seguir


Minhas cicatrizes me seguem
Minhas memórias não me deixam em paz
Renego o desejo de viver
O que eu fui, já não sou mais

Meus sonhos me deixaram
Meus medos ainda me acompanham
O tempo continua a passar
E os meus sentimentos me estranham

Tento enxergar
Mas a raiva me cega
Peço à vida mais uma chance
Mas ela me nega

A insanidade me governa
Sinto como se voltasse em meu caminho
Ouço vozes à minha volta
Mas sei que estou sozinho

Minha voz está baixa
Não entendo o que digo
Tento alcançar minha alma
Mas sei que não consigo

terça-feira, 26 de junho de 2012

Adormecidos

Há vozes que se calam quando tudo se apaga
E olhos que se abrem apenas no escuro
Há gritos que ficam presos no peito
Mas os sentimentos eu nunca seguro

Algumas mãos abrem cortes de propósito
Apenas por que gostariam das cicatrizes
Mas não são todos cortes que se fecham
Você os trocaria pelos momentos felizes?

Sobrou tão pouco por perto
Apenas alguns barulhos sem sentido
O coração é tão incerto
E seu grito jamais será ouvido

Há medos que permanecem à espreita
Esperando pelo momento certo de acordar
E há medos que dormem por toda vida
Mas te engolem inteiro com um olhar

sábado, 23 de junho de 2012

Vozes vazias

As vozes andam tão vazias
E mesmo com toda essa gritaria
Eu ainda não lhe ouço

Eu tento me ouvir, na realidade
E mesmo dizendo só verdades
Ainda parece muito pouco

Eu sinto falta de algum motivo
E não sei até quando eu estarei vivo
Para tentar achar algum

Já faz tanto tempo e eu mal lembro
Talvez fosse janeiro, ou talvez dezembro
Mas nós já fomos um

Um teste constante para minha sanidade
Sempre uma voz ao pé do ouvido
Um sentimento sem gosto ou vontade
Preferiria nunca tê-lo sentido

Abraçar o vento parece mais racional
Ao menos não deixaria cicatriz
Às vezes o caminho mais natural
É não acreditar no que se diz

A essa altura qualquer coisa é uma bênção
Mesmo que tenha gosto de maldição
As vozes vazias gritam no meu ouvido
E eu perco os sentidos e a audição

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Seu Primeiro Passo Depois do Último

Quando eu tinha cinco anos, eu me sentia parte do mundo. Não desse jeito que todo mundo sente. Parecia que o mundo era uma extensão do meu corpo, e eu o modelaria e faria dele o que eu quisesse. E eu gostava muito do mundo que eu via, então eu só aproveitava o que ele me dava. Quando eu tinha cinco anos, eu era feliz.
Hoje, crescida, parece que eu viajei pra outro planeta. Eu não faço parte do mundo, nem ele de mim. Olhar pros lados faz parecer que eu estou cercada por algo que eu não entendo. Que eu não entendo e que não me quer. Hoje tudo que eu consigo experimentar do mundo é algo sem cor e sem brilho, rígido e triste, que não se modela, colore ou convive. É impossível viver um mundo assim, parece que algo se perdeu nele. Talvez tudo que ele tenha seja pequeno demais pra preencher tudo que eu não sinto, como se eu fosse um gigante diante de todas as possibilidades, e não pudesse ter todas juntas. Cada escolha parece ser a escolha errada nesse mundo branco e preto, porque eu não o entendo mais. Não dá para “simplesmente viver”. Cada esquina que eu ando, eu vejo aquelas luzes brilhantes, que me convidam. Mas depois de tentar conviver com a vida, todas aquelas luzes só me levam a um ouro falso.
É preciso conviver com o futuro. É preciso esperar o que virá, como um cheque pré-datado. Viver é como um jogo: às vezes você perde, às vezes, ganha. E a vida é uma justa cobradora. Às vezes ela parece ter levado tudo de você, mas ela só leva embora o que você apostou. Tudo que fica parece não significar nada, mas é tudo o que você tem. Um belo dia, a vida volta com um par de dados na mão, e você pensa “porque não?”, e vai em frente. Quando você ganha, ela te traz um presente, e você precisa cuidar dele. Mas às vezes nós, seres humanos, fazemos as coisas do jeito errado. Existem coisas que você tem, mas não tem pra sempre. Existem coisas que você tem, e que nem a vida pode te tirar. Quando a vida te tira algo, é porque você pode sobreviver sem ela. Um ditado chinês diz que “não precisamos de nada quando não temos nada”. Mas nós precisamos de algo, eu preciso de algo, todos precisamos. O que eu aprendi é que, como diz o provérbio chinês, nós precisamos de algo porque, não importa o quão importante seja aquilo que lhe foi tirado, o quando doa, o quanto te mate por dentro, você ainda tem a si. Tem a imagem no espelho, e o suficiente para se reerguer. E você tem, tem aquela força quase inumana que levanta a cabeça e move um corpo que você acredita que estava vazio. Ter a si próprio é só o que você precisa pra suportar a vida, porque viver dói, viver é um risco, mas toda essa dor é só a vida te cobrando o que você deve. Pode ser que ela volte com um presente, ou não. Mas você ainda tem muita coisa em você, e muitas outras coisas pra conquistar. Hoje, talvez o mundo não faça parte do seu corpo, talvez certas coisas você não possa mudar, mas sempre poderá usá-la de um modo que te faça feliz. Mesmo que agora você não possa mudar o mundo, mas você ainda pode usar o que você tem pra conquistar o que não tem. Pode conviver com isso, se fizer as escolhas certas, ou se escolher somente viver.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Mesmo de Olhos Fechados

Será a luz no horizonte que vai lhe cegar?
Ou apenas a falta de vontade de enxergar?
Apenas abra seus olhos...

Você pode continuar culpando a escuridão
Ou tatear o caminho com as mãos
Mesmo de olhos fechados...

Sinta o medo e finja que não é nada
O sentimento desaparece se você não estiver errada


A vontade pagará pelos pecados da razão
Mas você pode ignorar essa parte do sermão
E decidir por si mesma

Deixar o cérebro ter um pouco de descanso
E a pulsação tocar o ritmo que eu danço
Ambos de olhos fechados

Sinta o medo e finja que não é nada
O sentimento desaparece se você não estiver errada
Mas eu acho que você está, então não desapareça
Eu ouço a pulsação dentro da sua cabeça

Poesia para os olhos e música para os ouvidos
Palavras seriam um exagero sem sentido
Deixe sua vontade guiar os seus passos
Em cada um dos versos que eu não faço

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Nem Uma Prece

O que vocês espera quando fecha as portas e as janelas?
Ao apagar todas as luzes e acender tantas velas
Desenha sua vida através de letras mal delineadas
E assassina seu amor a punhaladas

As paredes e o teto se aproximam quando adormece
Mas quando começa o sonho, você se esquece
O mundo se apaga e tudo melhora de repente
O sangue não escorre mais da ferida que você não sente

Os erros se desintegram conforme o mundo perde a forma
E a sua vida vira aquilo em que você a transforma
Mas em alguns momentos você acorda e tudo se desvanece
E nada traz o que só você tem de volta, nem uma prece

domingo, 10 de junho de 2012

Fechada e Vazia

E lá estava ela, sentindo falta de algo, e não sabia do quê. Nesses momentos, ela sempre se sentia vazia, preenchida com uma necessidade incontrolável de ser a mulher que não era. Sentia falta de ser a menina que não era mais. Era uma mulher que não a satisfazia, disforme e trancada na casa quase vazia. Mas estava lá, e não tinha mais a mesma garra, não tinha forças pra ser quem costumava ser. Todos os anos, nas mesmas semanas, ela sentia aquele buraco ficar cada vez maior e engolí-la: sentia falta de algo, e não fazia ideia do que era.

Mais uma vez, ela estava parada diante da parede branca da casa quase sem móveis, com um ar de pobreza e miséria que ela criara, e que nunca a importou. Poucas coisas tinham importância pra ela. Pensava sempre no futuro, no que seria mais adiante. Tinha metas, tinha desejos que não se realizaram, mas que ela sabia que se realizariam. Na verdade, não sabia mais de nada, e talvez isso tivesse deixado-a sem chão. De repente, tudo naquela casa importava. Ao redor dela, as coisas faziam falta, como se dançassem num devaneio à sua frente, onde ela quase materializara os móveis na casa, algumas pessoas que cantarolavam e bebiam, brincando com a vida, e nada mais importaria. Ela se viu naquele cenário sobreposto, esboçando um sorriso que significava que tudo estava entrando nos eixos. Ela quase tocava as pessoas que sentavam nos coloridos móveis imaginários, ora doces, ora modernos. O lado bom dos devaneios era que você podia decidir aos poucos como seriam as coisas. E, também aos poucos, ela notou que não conseguia materializar os rostos das pessoas. Eram manequins artificiais, que de repente nem se moviam. Parecia mais um filme de terror, rindo às custas dela. E, naquele curto momento, aquele sorriso que a mulher dos sonhos que ela sonhava que era tinha um tom de sarcasmo insuportável. Ficava cada vez mais evidente o quão tudo nela era patético, e isso incomodava e doía.

Porque, de repente, tudo naquela casa importava. Em qualquer lugar, de repente o mundo importava de uma forma diferente. Não era sobre se importar com as pessoas, com o planeta e com o aquecimento global. Naquele momento, ela sabia que deveria fazer parte do mundo, mas ela não conseguia sentir que estava ali. Ela sentiu que era um sonho, um manequim numa casa de mentira. Ela sentiu falta. Tornou-se impossível esconder de si mesma que ela sabia o tempo todo o que lhe fazia falta. Sentia falta de cada erro que cometeu, das escolhas erradas que ela fez na vida. Não do resultado, mas do erro. Sentiu falta de si. Sentiu falta de como ela se sentiu cada uma das vezes em que foi enganada na vida. Acreditou mais uma vez que cada vez aquele sentimento acontecesse seria sempre de mentira, e que aquilo a satisfaria de qualquer forma. Não era sobre o que merecia nem o que era perante os outros. Dentro dela, a mulher sabia que não era o que diziam, e ignorava tudo automaticamente, sabendo o que acontecia dentro dela cada vez que se esforçava pra acreditar no que ouvia. Era o que era, e teve medo de nunca conseguir ser diferente, mesmo sabendo que realmente não conseguiria sair do que era naquela casa sem móveis, branca e escura ao mesmo tempo.

Fora de órbita. Era a única coisa que lhe ocorria, o único pensamento racional que conseguia ter, o único pensamento que suportava. Mesmo se sentindo fora do mundo, gostou daquele momento. Por um segundo, não pertencer ao mundo a deixava bem. Respirou fundo, afinal isso é o que ela era, a mulher fora de órbita. “Fechada para Balanço”, era a etiqueta que trazia estampada em si, mas, por dentro, era só um manequim oco numa casa decorada dentro da loja vazia.

SweetieSour .

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Será E Ferirá

Talvez possa ser por amor
Ainda que não seja
E mesmo nas vezes em que não for
Você pode ter certeza
Será...

Talvez não valha a pena
Mas também não vale desistir
E mesmo quando a voz é amena
Ela pode ferir
E ferirá...

Durará por uma eternidade
Mesmo que seja só por um verso
A poesia da pura vontade
De talvez um destino perverso
Não há sentido ou rima
Mas há sentimento
Contém um pouco da sina
E traduz um pensamento

Respira com dificuldade
O ar se tornou rarefeito
Assim como a vontade
Desapareceu do seu peito
Mas há por que se erguer
Nem a dor é eterna
Você só tem que querer
Com as próprias pernas

terça-feira, 5 de junho de 2012

Amor da Minha Morte

Depois de tudo que nos aconteceu
O que nos resta, amor de minha morte?
Pus em suas mãos todas as minhas fraquezas
Mas ainda não me sinto mais forte

O que nos falta, afinal de contas?
Eu achei que nós tínhamos tudo
Mas o vazio ainda é enorme
Por trás deste escudo

No que nós nos transformamos
Depois de tantos erros, amor da minha morte?
Muitos motivos que não seriam o suficiente
Se tornaram a cura para este corte

Não há razão para tanto pesar
E as lágrimas não merecem mais cair
Mesmo com expressões tristes
Nós acabaremos por sorrir