quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Menina no Espelho

Olhou-se no espelho. Lá, encontrou uma menina que tentava enganá-la: a menina sorria um sorriso amarelo, enquanto as molinhas no seu cabelo cobriam um de seus olhos. Tinha medo daquele dia. Não quis que ele chegasse, ainda não queria. Mas sorria, pra tentar parecer feliz pra menina do olho de vidro. Ambas tinham lembranças da infância: um dente quebrado, um cabelo queimado... mas nenhuma delas lembrava de desejar aquele dia.

Pela primeira vez, de dentro do espelho, veio a notícia de que algo bom poderia ser ruim. Algo que a fazia bem, também poderia fazê-la mal. Dos dois lados, de todos eles. Quando aquele dia chegou, daria pra ver o sorriso dela mesmo se ela tivesse de costas. O corpo? Parecia que, se ela abrisse os braços e fechasse os olhos, sairia voando. Porque flutuava. Não queria que aquele dia chegasse. Faria mal, só por fazer bem. Era estranho, mas nada ali fazia mais sentido. De repente tudo sumiu e voltou de um jeito inseguro. Ela desconfiava de tudo, já ouvira rumores do que acontecia naquele mundo fora do espelho. Preferia sorrir pra menina lá fora e agir seguramente. “calma: respire, sorria. Tente não parecer apavorada. Assim, eles não vão te arrastar pra lá.”


Dentro do espelho era tão seguro! Não havia desconfiança. Lá, o mundo era feito de conforto, de sorrisos bobos. Ali ela poderia ser realmente uma menina, sem medo. Ali ela voava, ela sorria, ela molhava os pés na água. Lá ela tomava banhos de chuva. Depois sorria como uma boba, assim, sem motivos. Lá ela poderia amar sem preocupações. Nesse dia, todos esses dias, fazer bem não faria mal.


A menina de fora sentia inveja da menina que estava lá dentro. Sentiu-se confortável com ela, assim como se sentia consigo mesma. Então, foi fechando um sorrisinho de canto da boca que havia esboçado. Pra poder chorar. Pra poder dizer que, lá de fora, amar preocupava. Amar doía. Amar era fácil: difícil era aguentar o amor.


E as lágrimas molhavam seu vidro. E molhava o espelho. Através daquela água transparente, tudo aquilo foi se limpando. Ficou cada vez mais claro: Maldita hora aquela. Agora elas veriam que eram uma só. A que chorava, sorriu. A que sorriu, só o fez com a condição de chorar depois. A menina dentro do espelho pagou pra ver. Mas cobraram o preço à menina de fora. É que no fim elas eram iguais, sabe? Não eram equivalentes, eram a mesma coisa. Literalmente. Inconscientemente, ambas amaram. Um lado queria, outro não. O lado que queria, sofreu. O que não queria, amou. Mas o que amou sofreu, o que sofreu, já tinha amado. Nenhuma delas sobreviveu ao amor. A partir daquele dia que a menina do espelho desejou que nunca chegasse, molhar os pés na água, significava afogar-se; voar, significava cair em abismos – que não sabia se tinha fundo. E ela tinha decidido não cair em abismos. Aprenderam: o que fazia mal poderia fazer bem. Dos dois lados. Não havia mais diferença. Dentro de si, ali no espelho, era somente mundo desabando. Um sorriso que se via até de costas. Feliz. Mas, fazer bem ainda poderia fazer mal. Daí, o sorriso foi se esvaindo. Primeiro, para o canto da boca. Depois veio o choro. É que elas amavam, então sorriam. E até sorrir doía. É nisso que dá brigar com o destino. Acaba levando uma surra do amor.

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