domingo, 10 de junho de 2012

Fechada e Vazia

E lá estava ela, sentindo falta de algo, e não sabia do quê. Nesses momentos, ela sempre se sentia vazia, preenchida com uma necessidade incontrolável de ser a mulher que não era. Sentia falta de ser a menina que não era mais. Era uma mulher que não a satisfazia, disforme e trancada na casa quase vazia. Mas estava lá, e não tinha mais a mesma garra, não tinha forças pra ser quem costumava ser. Todos os anos, nas mesmas semanas, ela sentia aquele buraco ficar cada vez maior e engolí-la: sentia falta de algo, e não fazia ideia do que era.

Mais uma vez, ela estava parada diante da parede branca da casa quase sem móveis, com um ar de pobreza e miséria que ela criara, e que nunca a importou. Poucas coisas tinham importância pra ela. Pensava sempre no futuro, no que seria mais adiante. Tinha metas, tinha desejos que não se realizaram, mas que ela sabia que se realizariam. Na verdade, não sabia mais de nada, e talvez isso tivesse deixado-a sem chão. De repente, tudo naquela casa importava. Ao redor dela, as coisas faziam falta, como se dançassem num devaneio à sua frente, onde ela quase materializara os móveis na casa, algumas pessoas que cantarolavam e bebiam, brincando com a vida, e nada mais importaria. Ela se viu naquele cenário sobreposto, esboçando um sorriso que significava que tudo estava entrando nos eixos. Ela quase tocava as pessoas que sentavam nos coloridos móveis imaginários, ora doces, ora modernos. O lado bom dos devaneios era que você podia decidir aos poucos como seriam as coisas. E, também aos poucos, ela notou que não conseguia materializar os rostos das pessoas. Eram manequins artificiais, que de repente nem se moviam. Parecia mais um filme de terror, rindo às custas dela. E, naquele curto momento, aquele sorriso que a mulher dos sonhos que ela sonhava que era tinha um tom de sarcasmo insuportável. Ficava cada vez mais evidente o quão tudo nela era patético, e isso incomodava e doía.

Porque, de repente, tudo naquela casa importava. Em qualquer lugar, de repente o mundo importava de uma forma diferente. Não era sobre se importar com as pessoas, com o planeta e com o aquecimento global. Naquele momento, ela sabia que deveria fazer parte do mundo, mas ela não conseguia sentir que estava ali. Ela sentiu que era um sonho, um manequim numa casa de mentira. Ela sentiu falta. Tornou-se impossível esconder de si mesma que ela sabia o tempo todo o que lhe fazia falta. Sentia falta de cada erro que cometeu, das escolhas erradas que ela fez na vida. Não do resultado, mas do erro. Sentiu falta de si. Sentiu falta de como ela se sentiu cada uma das vezes em que foi enganada na vida. Acreditou mais uma vez que cada vez aquele sentimento acontecesse seria sempre de mentira, e que aquilo a satisfaria de qualquer forma. Não era sobre o que merecia nem o que era perante os outros. Dentro dela, a mulher sabia que não era o que diziam, e ignorava tudo automaticamente, sabendo o que acontecia dentro dela cada vez que se esforçava pra acreditar no que ouvia. Era o que era, e teve medo de nunca conseguir ser diferente, mesmo sabendo que realmente não conseguiria sair do que era naquela casa sem móveis, branca e escura ao mesmo tempo.

Fora de órbita. Era a única coisa que lhe ocorria, o único pensamento racional que conseguia ter, o único pensamento que suportava. Mesmo se sentindo fora do mundo, gostou daquele momento. Por um segundo, não pertencer ao mundo a deixava bem. Respirou fundo, afinal isso é o que ela era, a mulher fora de órbita. “Fechada para Balanço”, era a etiqueta que trazia estampada em si, mas, por dentro, era só um manequim oco numa casa decorada dentro da loja vazia.

SweetieSour .

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