Mais uma vez, ela estava parada diante da parede
branca da casa quase sem móveis, com um ar de pobreza e miséria que ela criara,
e que nunca a importou. Poucas coisas tinham importância pra ela. Pensava
sempre no futuro, no que seria mais adiante. Tinha metas, tinha desejos que não
se realizaram, mas que ela sabia que se realizariam. Na verdade, não sabia mais
de nada, e talvez isso tivesse deixado-a sem chão. De repente, tudo naquela
casa importava. Ao redor dela, as coisas faziam falta, como se dançassem num
devaneio à sua frente, onde ela quase materializara os móveis na casa, algumas pessoas
que cantarolavam e bebiam, brincando com a vida, e nada mais importaria. Ela se
viu naquele cenário sobreposto, esboçando um sorriso que significava que tudo
estava entrando nos eixos. Ela quase tocava as pessoas que sentavam nos
coloridos móveis imaginários, ora doces, ora modernos. O lado bom dos devaneios
era que você podia decidir aos poucos como seriam as coisas. E, também aos
poucos, ela notou que não conseguia materializar os rostos das pessoas. Eram
manequins artificiais, que de repente nem se moviam. Parecia mais um filme de
terror, rindo às custas dela. E, naquele curto momento, aquele sorriso que a
mulher dos sonhos que ela sonhava que era tinha um tom de sarcasmo
insuportável. Ficava cada vez mais evidente o quão tudo nela era patético, e isso
incomodava e doía.
Porque, de repente, tudo naquela casa importava. Em
qualquer lugar, de repente o mundo importava de uma forma diferente. Não era
sobre se importar com as pessoas, com o planeta e com o aquecimento global.
Naquele momento, ela sabia que deveria fazer parte do mundo, mas ela não
conseguia sentir que estava ali. Ela sentiu que era um sonho, um manequim numa
casa de mentira. Ela sentiu falta. Tornou-se impossível esconder de si mesma
que ela sabia o tempo todo o que lhe fazia falta. Sentia falta de cada erro que
cometeu, das escolhas erradas que ela fez na vida. Não do resultado, mas do
erro. Sentiu falta de si. Sentiu falta de como ela se sentiu cada uma das vezes
em que foi enganada na vida. Acreditou mais uma vez que cada vez aquele sentimento
acontecesse seria sempre de mentira, e que aquilo a satisfaria de qualquer
forma. Não era sobre o que merecia nem o que era perante os outros. Dentro
dela, a mulher sabia que não era o que diziam, e ignorava tudo automaticamente,
sabendo o que acontecia dentro dela cada vez que se esforçava pra acreditar no
que ouvia. Era o que era, e teve medo de nunca conseguir ser diferente, mesmo
sabendo que realmente não conseguiria sair do que era naquela casa sem móveis,
branca e escura ao mesmo tempo.
Fora de órbita. Era a única coisa que lhe ocorria, o
único pensamento racional que conseguia ter, o único pensamento que suportava.
Mesmo se sentindo fora do mundo, gostou daquele momento. Por um segundo, não
pertencer ao mundo a deixava bem. Respirou fundo, afinal isso é o que ela era,
a mulher fora de órbita. “Fechada para Balanço”, era a etiqueta que trazia
estampada em si, mas, por dentro, era só um manequim oco numa casa decorada
dentro da loja vazia.
SweetieSour .
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