quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Inesperado, Inevitável e Só

“Prefiro chocolate preto que chocolate branco”. Acredita que ele me disse isso? Como se fosse algo comum e normal!

E diante de uma prateleira de barras de chocolate, como se fosse uma comedora-compulsiva-diabética-em-série, ela se sentiu confusa: chocolates, doces, cores, sabores... e a vida dela não tinha sabor nenhum. Na verdade, tinha: tinha um sabor amargo. Sentia-se comprimida, tinha um coração com medo de sair de dentro do peito, como devia ser no amor por ele. O amor dele, que devia ser eterno pra ser verdadeiro. Mas o dela não era, e só tinha aquele. Sentia-se encurralada o tempo todo, como se todas as ruas tivessem sumido de repente. Precisava dele, outra pessoa não servia. Ela gostava dele. Dele.

Droga, ela o AMAVA, nunca tinha dito isso a alguém antes. Não porque tinha medo e escondia, mas porque nunca tinha amado antes. Nunca soube o que era, e de repente sabia. E era esquisito, porque não tinha um dicionário. Só que as coisas se embaralhavam quando ele aparecia, e ela sentia isso. Ela sentia muita coisa, muito mais, mas não entendia nada. Só gostava. Tinha medo, e gostava desse medo. Procurava esse medo, e resolveu chamar de amor e gritar pra todo mundo que tivesse audição ouvir. No dia do casamento, seria capaz de fazer sinais, dizer em libras pros que não ouvem saberem também, mas não teve necessidade. Ele pensava que isso bastava, e só queria aquilo dela, mas ela discordava dele. Discordava e SABIA que não era bem assim. Que pra esse relacionamento dar certo, as coisas precisavam ser meio diferentes. Mas ele só queria esse amor, um amor eterno e esquisito, como se todos os dias pudessem ser como na festa de casamento dos dois. Não podia, porque era diferente. E ele simplesmente discordava, simplesmente não via essa diferença. Queria que ela mentisse pro padre. Na maior cara de pau, simplesmente fosse lá e mentisse. Não podia ir lá e dizer na frente daquele monte de gente que o amaria pra sempre, como é que ela ia saber? E no momento do “sim”, ela simplesmente trocou o “até que a morte nos separe” por um “até quando estivermos juntos”, dando a impressão que se divorciariam no dia seguinte, como naqueles casamentos onde os casais estão bêbados ou drogados. Ou os dois. E agora ela estava diante da prateleira de doces, diante de sabe-se-lá-deus quantas barras de chocolate, pensando sobre os votos do casamento e chorando compulsivamente. Resolveu desistir de tudo e comprar um sorvete de chocolate. Branco.

Litros de sorvete depois, com uma pilha de comédias românticas do seu lado no sofá, como quem tenta desesperadamente aprender alguma coisa, ela chorava, deixando o sorvete de chocolate branco com um gosto salgado. Quando ele chegou do trabalho e viu a cena, o sorriso desfaleceu, pura e simplesmente. Sentiu remorso por, por um segundo, ter se preocupado com a barra de chocolate preto que pediu pra ela trazer do supermercado antes de sequer lhe dar um beijo, e agora ela estava lá, tentando decidir se se afogava no sorvete ou se enterrava nos filmes da Julia Roberts. Como se aquilo fosse culpa dele. E quando ela notou, sentiu-se ainda pior. Não por não amá-lo, mas por não amá-lo eternamente. E sentiu que devia ir embora, mas não disse isso. Disse apenas que o amava muito, se pendurou no pescoço dele e pediu desculpas. Ele não sabia pelo que devia desculpá-la, mas viu que ela não havia comprado o chocolate, e automaticamente achou que era por isso. Como se o único problema do casal fosse uma barra de chocolate. Era sempre por conta daquilo. E ele não a ouvia, vivia sempre no mundo doce dele.

Ela notou. Estava tão claro que não podia mais fugir, estava terminado. Não era culpa do chocolate, não era culpa dele. Ele tentava, mas não entendiam as coisas da mesma forma. Ela soube naquele momento – e a vida dela tinha sido repleta de momentos-que-sabia – que não podia dar certo. Que, pra uma relação como aquela dar certo, ela precisava dar a ele tudo que ele queria e precisava. Ou se esforçar pra isso. Amá-lo como fosse preciso, como ele queria, porque ele tinha necessidade daquilo. Não pelo ego, mas porque era só o que ele pediu a ela todo esse tempo. Era só o que ele tinha pra ela. Ela viu que não era suficiente, que pediu a ele muito mais do que ele a ela. Não só isso, que pediu a ele mais do que ele tinha. Na cabeça dela, isso era um relacionamento maduro, onde os dois se esforçavam pra se entender. Mas fora da cabeça dela, tinha sido egoísta, porque ela mesma não se esforçava pra fazê-lo saber, ao menos de vez em quando, que seria capaz de amá-lo eternamente se fosse necessário. Já havia tentado salvar seu casamento em silêncio. E, quando se deu por vencida estava sentada na mesa de jantar. As malas prontas, esperando por ele.

Pela segunda vez no mês o seu sorriso desfaleceu, mas naquela noite tudo estava mais claro. As malas estavam no chão e ele a olhava de um modo que a fazia sentir-se culpada. Ela se sentiu um monstro, a vilã da relação o tempo todo, como se nunca tivesse o amado como devia, mesmo sabendo que o amou sim. Mas tinha que ser forte, ninguém nunca disse que não ia doer. Os olhos dele – ela se apaixonara pelos olhos dele desde o início – ficaram vazios, cegos, de repente. Ele estava com aquela gravata. Justamente aquela que a namorada dele de faculdade tinha dado de presente. Ela odiava aquela gravata, e aquilo parecia ter lhe dado mais força. Ela quis chorar, mas, ao invés disso, disse que queria seguir com a vida. Sem muitas explicações. Parecia que podia vê-lo mais tarde, com aquele amigo dele que havia dito que o casamento não daria certo e com aquela gravata da ex, enquanto ouvia calado bebendo, arrependido de não ter pedido alguma explicação. Mas, durante aquele momento, ele chorava estarrecido. Quem visse, diria que ele não estava dentro do corpo.

Como se quisesse justificar dois anos de casamento, ela o deu metade do coração. Para sempre, disse que parte dela seria sempre dele. E era verdade, foi o primeiro amor que ela teve: o primeiro marido, o primeiro homem da sua nova vida, e cada dia era um novo dia, ele parecia deixar isso claro como água. Pegou as malas e foi embora. Esperou no corredor, na porta do elevador. Não pelo elevador, mas por ele. Por um segundo, quis que ele batesse a porta de casa, e saísse pelo corredor, gritando feito um louco, pedindo uma explicação. Desejou como poucas vezes na vida que ele a pegasse pelos ombros e a chacoalhasse, gritando que ela não podia fazer isso, que a amava e que ela o amava também. Mas ele não o fez, e ela entendeu que era melhor assim. Pegou o elevador e pronto, lá se foram dois anos. Deus sabe o que viria pela frente, porque o amor não tinha sido deixado dentro de casa ou no pedaço do coração que tinha deixado pra ele. Colocou tudo no carro e não voltou. Pensou nele todos os dias da sua vida, até o último momento. Afinal, o amou eternamente mesmo.

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