terça-feira, 31 de julho de 2012

Um Pouco de Paz

Eram três da manhã e ele se perguntava por que diabos ainda estava encarando aquele par de olhos vermelhos e cansados pela insônia. De repente o demônio do outro lado do espelho fez acender uma pergunta na sua mente. “Pelo que você venderia sua alma?”. A parte mais assustadora? Ele não sabia. Começou a refletir sobre isso, ignorando completamente o fato de ter que levantar dali a menos de quatro horas para ir para aquela maldita aula que ele nem sabia por que estava indo.

Olhou para aquele espelho rachado pela última vez e lembrou-se do momento em que a rachadura havia sido causada. Um acesso de fúria, uma namorada sem coragem para terminar cara a cara do outro lado da linha, um telefone celular sendo atirado involuntariamente contra a parede, um soco no espelho e um grito. Até hoje não tinha descoberto se o grito havia sido pela dor da mão cortada com um único e pequeno caco que se desprendeu ou pela burrice de ter jogado longe o aparelho novo. No final das contas aquela talvez fosse uma memória boa, pois foi naquela hora que ele percebeu o quanto não se importava com aquela pessoa sem coragem e o quanto ela não faria falta (talvez “alguém” fizesse, mas não ela). Apagou a luz do banheiro e foi se deitar para tentar ao menos alguns minutos de sono.

Obviamente não conseguiu dormir. Aquele pequeno demônio do espelho saiu junto dele do banheiro e se alojou no seu ombro esquerdo. Deitou-se de barriga pra cima (afinal não queria machucar o pequenino em seu ombro) encarando o escuro e decidiu tentar descobrir. “Pelo que eu venderia a minha alma?”

“Um amor talvez?”. Não, definitivamente não. Já havia passado pela sua fase sentimental com um bom número de cicatrizes e aprendizados para correr atrás de mais problemas, principalmente se tivesse que comprometer sua alma no processo. Se tivesse que dar com a cara no muro outra vez, preferia ter sua alma, mesmo que não estivesse intacta, pra poder seguir o caminho.

“Uma pilha enorme de dinheiro?”. Menos ainda. Não era tão ligado assim em bens materiais, estava mais preocupado em se divertir, independente do que isso significasse pra ele. Fosse passar uma noite de sábado lendo e vendo filmes ou numa festa, dinheiro não era uma preocupação, apenas o suficiente era suficiente.

“Poder e fama?!”. Sempre se perguntou o que significava isso que tanta gente falava sobre os tais “poder e fama”. Soava tão tolo e pequeno quanto desnecessário. Meia dúzia de amigos era toda fama que ele queria e o poder de abrir uma garrafa de vinho com eles idem.

“Já sei... um pouco de sono. Nesse momento minha alma por um pouco de sono seria um bom negócio”. E precisamente nesse momento tocou o despertador. Ele olhou com o canto dos olhos para aquela luzinha piscando em seu celular, amaldiçoou a hora e desligou a “soneca”, afinal já estava acordado. Só então se lembrou. “Hoje é sábado!”. Se virou, apoiado em cima do ombro e ignorando aquela pobre criatura que havia sido esmagada com o movimento, pensou “Não é hoje que vou precisar vender minha alma por um pouco de sono” e então adormeceu. Não chegou a perceber, mas teria sido capaz de vender sua alma apenas por um pouco de paz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário